segunda-feira, 10 de agosto de 2020

A tortura como prazer

Ao acordar pensei que os dias de férias são uma ilusão, que passa rapidamente. Depois, pensei que talvez sejam a antevisão do paraíso celeste. As pessoas, mesmo as que foram educadas no mais estrito catolicismo, esquecem que, na tradição judaico-cristã, o trabalho foi dado aos homens como punição e não como uma bênção. Se se quer uma prova de que vivemos num mundo pós-cristão, basta olhar para o culto do trabalho e da produtividade que há por todo o lado, basta ter em conta que a punição é agora vista até como um prazer. Isto disse ontem, ao jantar, o padre Lodo. Estando ele tão perto, não podia deixar de vir jantar cá a casa. As suas palavras, porém, indignaram a geração intermédia da família, toda ela crente na máxima que o trabalho é o destino dos homens. Foi uma indignação silenciosa, pois por deferência remeteram-se ao silêncio, mas eu bem os conheço. O padre, talvez fingindo que não percebia, continuou, com o seu espírito verrumante, e disse que mais valia um santo ócio do que ser-se masoquista e fazer da tortura um prazer. Depois riu-se e pediu para não o levarem a sério, pois não era pessoa de fiar, ele que foi inimigo da Igreja e depois dera em Jesuíta, ainda por cima. O ainda por cima ficou em suspenso. Foi esta conversa que se prolongou noite dentro que me assaltou ao acordar. Agora, porém, preciso de sintonizar o espírito com a realidade, pois não tarda vêm aqui fazer umas pequenas obras e, como se sabe, qualquer pequena obra é um grande incómodo.

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