Hoje percorri parte da cidade. Havia nela uma estranha
combinação de tristeza e calor, como se uma coisa e outra se intensificassem
mutuamente. Nas ruas, muita gente cobria essa tristeza com máscaras, muitas
delas com cores que escapavam ao padrão cirúrgico. Os corpos incapazes de
ocultações passavam devagar, esmagados pela atmosfera, fechados sobre si mesmos,
como se o ar envolvente fosse pestilento. Prédios em ruínas, casario que o
tempo submeteu ao seu juízo impiedoso. Tudo isto gera uma cultura de nostalgias,
cheia de pequenos mitos, tentativas frustes de reencantar aquilo que só foi
encantado pela inocência do olhar infantil ou pela ingenuidade dos primeiros
amores. Chegado a casa, pensei que deveria evitar estas deambulações. Ir aonde
tenho de ir, olhar o menos possível para a realidade e voltar pelo mais curto
caminho que houver. Agosto encerra hoje a sua actividade. Está cansado e deixou
cair a sua fadiga sobre tudo o que existe. Não é fácil viver num país que tem
quase novecentos anos, que já viu coisas demais, que se saturou de Agostos tórridos,
que sabe que qualquer inflamação acabará por passar, mesmo que os
anti-inflamatórios não sejam grande coisa. É um país lento. Na passada
segunda-feira, fiz duas encomendas. Uma em empresa portuguesa e outra numa
sediada em Espanha. A enviada pelos nossos vizinhos já a recebi há vários dias,
a outra talvez seja hoje que chegue. E tudo isto me maravilha, pois há uma
sabedoria que fora daqui não existe e não se percebe. Há muito, muito tempo,
numa loja de ferragens de uma outra cidade de província, no início da tarde, talvez
porque eu tivesse dado sinais de alguma impaciência, a pessoa que me iria
atender esclareceu-me sobre a essência da pátria: não tenha pressa, que eu só
saio daqui quando forem sete horas.
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