Uma cidade foi devorada por uma grande explosão. O fogo fez
em pouco tempo aquilo que a água, o ar e os interesses terrenos dos homens
levam mais tempo a fazer. Somos sempre tocados pela espectacularidade da morte
e da destruição, ainda mais se esta for envolvida em chamas, mas somos cegos
para o restolhar sombrio e secreto dessa mesma morte dentro do nosso corpo ou a
invisível destruição dos lugares que habitamos ou amamos. A nossa atenção
precisa de espectáculo para se mover da praça da indiferença até à avenida do
sentimento. Pensava eu nisso, quando vi um pequeno dragão de cabeça para baixo tatuado
na zona que vai do umbigo ao púbis, de uma rapariga que não teria ainda trinta
anos e que se mostrava em biquíni. Das fauces da besta imaginária saíam chamas e
fiquei indeciso na hermenêutica daquele símbolo com que ela se apresentava ao
olhar distraído dos circunstantes. Para mim, tocado por uma veia conservadora
que a idade não esquece de acentuar, nunca foi compreensível este culto das
tatuagens, ainda mais em corpos de mulheres. Lembro-me que há décadas só homens
se tatuavam nos braços, com dizeres como Angola 1967, Guiné 1970 e o mais
estranho de todos eles, Amor de Mãe, o que mais tarde interpretei como a
existência em Portugal de um enorme problema de complexos de Édipo por
desfazer. Hoje já fiz a minha caminhada de seis quilómetros e continuo
desapontado comigo. Chego sempre ao sítio de onde parti. Tivesse sido eu
bafejado pela lotaria genética e teria a inteligência necessária para descobrir uma meta
que se diferenciasse da partida. Sendo assim, contento-me em caminhar para o
sítio onde estou.
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