Raramente, ao acordar, tenho consciência de ter sonhado, mas
não foi o que aconteceu esta manhã. Era um imbróglio qualquer em torno de um
negócio que já não sei precisar. Qualquer coisa que me resultava numa situação
muito desconfortável. Eu que não possuo uma alma comercial acordei em
sobressalto e lembro-me que fui sossegando dizendo-me, no silêncio do quarto,
que era apenas um sonho, nada mais que um sonho e que, se fosse na vida real,
jamais me meteria num negócio, quanto mais num imbróglio aflitivo. Depois, abri
a janela, a luz entrou, e o sonho começou a apagar-se, restando aquilo que acabei
de contar. Entreguei-me à vida de um sábado de Agosto, mas um certo desconcerto
não me tem abandonado. Será que a minha alma de narrador é apenas uma alma
comercial travestida e frustrada? O mundo está cheio de equívocos e alguns dever-me-iam
calhar, pensei. Será que também a mim se aplicam aqueles versos, Esperanças
mal tomadas / Agora vos deixarei / Tão mal como vos tomei, com que Sá de
Miranda inicia um vilancete? Depois, alvitrei que fora do reboliço académico já
ninguém deve ler Sá de Miranda, mas posso estar enganado. Passa por mim um
grupo de rapazolas e um diz, entre palavras que me abstenho de reproduzir, que
falhou o golo com a baliza aberta. Ele não sabe ainda que a vida não é outra
coisa senão uma sucessão de golos falhados com a baliza aberta, mesmo quando a
bola entra. Entre ou não entre a bola, o resultado será sempre o mesmo. Talvez
seja por sofrer de pensamentos como estes que eu não tenho uma alma comercial.
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