Sejam públicos ou privados, os serviços neste país conspiram
contra a sanidade mental dos clientes, como se ser cliente fosse um acto
execrável, uma maldade que apenas merece, como resposta, um tratamento
ineficiente e, se for possível, punitivo. Foi isto o que me ocorreu depois de
passar parte da manhã a tentar resolver assuntos através daquelas linhas de apoio
ao cliente, um eufemismo para esconder uma má vontade acintosa e contumaz. Lembrei-me,
então, de uma impressão antiga, quando ainda não havia as grandes superfícies,
e era local o comércio que animava as terras. Havia comerciantes que pareciam
fazer um favor muito especial em atender os clientes, vender-lhes aquilo que
eles precisavam, como se a sua vida estivesse acima daquele acto miserável de
trocar mercadoria por dinheiro. As razões que movem as pessoas são sempre secretas
e, o mais das vezes, um enigma para os próprios. Agora que consegui
resolver tudo, já não tenho como recuperar a manhã perdida, e isto é o que há
de mais cruel na vida. Nada nela é recuperável. As boas horas pela sua bondade,
as más para sua correcção, tudo isso deveria poder ser recuperado. Eu sei que
estou a mentir. A vida seria muito pior, se se pudesse recuperar o tempo que se
perdeu. Os homens estariam sempre a retroceder à infância e à adolescência para
tentar consertar o que nelas sempre se desarranja, e isso seria o pior que
poderia acontecer à espécie. O calor não me faz muito bem e conduz-me sempre
por caminhos meditativos que não levam a lado nenhum. Sempre preferi ao jardim
dos caminhos que se bifurcam, les chemins qui ne mènent nulle part.
Desta preferência, porém, não há qualquer ilação a extrair, note-se. O
melhor mesmo teria sido ter-me dedicado ao comércio e transformar-me num
daqueles respeitabilíssimos comerciantes de vila de província que faziam o
especial favor de atender os seus patéticos clientes. O problema é que nunca
descobri o ramo que mais se coadunava com os meus talentos. Não por falta de
ramos, claro.
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