Retornei ao meu habitat natural. A cidade parece
estar exactamente como a deixei. O calor, de momento, não será tão avassalador,
os carros deslizam na Sá Carneiro como antes da pandemia e, nos passeios, os transeuntes,
com ou sem máscara, procuram as sombras que as copas das árvores projectam no
chão. Há em tudo isto uma reminiscência mourisca, pensei, uma espécie de
pertença climática àquele mundo que se inicia no norte de África. O computador
informa-me que o adobe acrobat reader foi actualizado com êxito,
eu fico agradecido pela melhoria do programa, mas não consigo evitar um ataque surdo
de inveja. Também eu poderia ser actualizado com êxito, mas não. Cada
actualização que sofro é para pior e quanto mais êxito elas têm pior fico. O hardware
está caduco, um modelo descontinuado há muito, sopra-me alguém que vive dentro
de mim e que tem por hábito dar opiniões que ninguém lhe pediu. Hoje não fui à
esplanada perto do mar ler o jornal, a mulher que em silêncio olhava o
horizonte desapareceu para sempre, resta-me pôr a vida nos carris onde estava
antes de ter saído daqui. Leio que se está perante uma aceleração do tempo
histórico. Talvez esteja já em excesso de velocidade e seria justo que a
História fosse multada, por não respeitar as regras de trânsito. As cevadilhas
da escola ao lado continuam a florir, as acácias da praceta estão pujantes,
vestidas de verde escuro, e o parque infantil permanece interdito às crianças.
Tudo isto enquanto a história acelera e o meu hardware obsoleto é
incapaz de receber um programa que o actualize e rejuvenesça. Hoje ainda não
avistei nenhum dos anjos que moram nos telhados da rua onde entardeço.
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