terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Decepção

Tinha desde há dias um caixote por abrir com uns vinte livros. Comprei-os nesses leilões que existem em sites onde se vende de tudo, pelo menos é o que imagino. O alfarrabista leiloeiro nunca tem pressa. Pode estar meses sem dar sinal de vida, a não ser colocar livros na página do leilão. As pessoas fazem os lances, o tempo do leilão expira e ele nem dá sinais de que respira. Depois, inopinadamente, lembra-se de visitar o site e envia uma mensagem com o preço a pagar e um pedido de desculpas mais ou menos inverosímil. Já mudou de casa, já esteve doente várias vezes. Se ele nunca tem pressa para receber, o mesmo não se pode dizer do envio. Mal são pagos os livros, ele remete-os sem mais demoras. A princípio estranhei o modus operandi, mas depois habituei-me e agora faço palpites para saber ao fim de quantos meses ele vai tornar a contactar comigo e, presumo, com os restantes compradores. Não era disto que queria falar, mas da minha decepção ao abrir o caixote e manusear os livros. Tinha a esperança de que num ou noutro houvesse lá qualquer coisa do anterior proprietário, uma dedicatória, uma anotação, uma lista de compras esquecida, talvez uma carta de amor. Não encontrei nada, a não ser, em dois livros, o ex-libris do seu proprietário: Pelo sonho é que vamos, um verso de Sebastião da Gama. Não parece muito original. Omito o nome do suposto proprietário por uma questão de protecção de dados, embora possa confiar ao público as obras e respectivos autores. Tratam-se de Gaimirra (1946), uma recolha de contos de Antunes da Silva, e Bárbara Casanova (1954), um romance de Maria da Graça Azambuja, pseudónimo de Maria da Graça Freire, irmã da escritora Natércia Freire. Como se pode constatar, continuo a rodear-me de livros que ninguém lê. Também eu corro o risco de não os ler, mas hei-de tentar, mesmo que vá procrastinando. Agora, vou postar-me em frente da janela e ver a noite cair, apesar da iluminação pública, já acesa, me estragar o espectáculo. Sempre podia chover.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Fraternidades

O mundo está perigoso, oiço dizer ao passar perto de uma esplanada. Como estamos num Verão em pleno Inverno, as esplanadas estão cheias e as pessoas têm de dizer qualquer coisa, mesmo que não tenham nada para dizer. Talvez a tagarelice seja uma coisa boa. Se toda a gente se dedicasse a ela, é possível que o mundo fosse um lugar melhor. Enquanto falam umas com as outras sobre assuntos nenhuns, não estão a matar-se. Já as conversas sérias têm um potencial de violência que nunca se deve subestimar. Por aqui, chegou o crepúsculo. Dia e noite enfrentam-se hesitantes, a luz difusa parece dizer que nada está decidido, mas sabemos que a noite levará a palma. Por outro lado, a noite não é bem noite, toda ela pontilhada de luzes, como se o seu corpo tivesse sido atingido por milhares de pequenas setas luminosas. Hoje fui fazer uma visita, mas nem sempre visitar alguém é a melhor das coisas. Sê-lo-ia, no melhor dos mundos possíveis. Ora, este que nos cabe em sorte está muito longe de ser o melhor. Não sei ao certo a razão, mas diante dos meus olhos pairou o título de uma encíclica do actual Papa: Fratelli Tutti. Talvez ele queira tranquilizar as pessoas sublinhando que somos todos irmãos. Ora, não tenho a certeza que essa seja uma boa estratégia. Quantas pessoas conspiram para fazer mal aos irmãos. Guerras entre irmãos costumam ser tudo menos exercícios de fraternidade. Também a Revolução Francesa começou com proclamações de fraternidade e acabou a cortar pescoços. Estou a entrar por caminhos ínvios, os que são da política e da religião. O mais sensato será parar por aqui e ficar a ver a noite cair sobre o telhado das casas.

domingo, 20 de fevereiro de 2022

Agora, é tarde

Os livros estão mais caros. Hoje fiz uma viagem à fnaquezinha existente num centro comercial da simpática cidadezinha onde me é dado passar os meus dias. As noites, também, esclareça-se. Fui em demanda, com sucesso, dos Contos de Cantuária, de Geoffrey Chaucer, na recente tradução do poeta Daniel Jonas. É um belíssimo livro – refiro-me ao objecto e não ao conteúdo – de capa cartonada. Percebe-se o preço a rondar os trinta euros. O pior, todavia, é que os outros livros das minhas editoras de eleição decidiram encarecer. Estão bem mais caros do que eram há uns meses. Talvez as editoras estejam cansadas dos compradores e temam que o livro se torne objecto de uma plebe feia e maltrapilha que, ao comprá-lo, o desprestigiaria, ao livro, mas também às editoras e ao editor. Parece-me uma belíssima estratégia. Nada de democratizar o acesso ao livro. Isso seria dessacralizá-lo, meio caminho para andar nas bocas – ou nos olhos – do mundo. Além da obra de Chaucer, comprei Belladonna, de Dáša Drndić, uma escritora croata desaparecida em 2018, de que nunca ouvira falar. Isto faz-me lembrar que no final da semana que está a entrar terei de ir ao lançamento, em Lisboa, de um livro de que sou co-autor, para desgraça do livro e minha. Para dizer a verdade, não entendo sequer por que raio está lá o meu texto entre os de especialistas na matéria, eu que não sou especialista de nada e muito menos daquela matéria. Por vezes, caio em tentação. Aqui que ninguém me ouve, escrevi o ensaio – pois de um ensaio se trata – há tantos anos, que nem me lembro do que lá está. A minha esperança é que não esteja ninguém no lançamento, mas tenho as minhas dúvidas, considerando os restantes autores. Os amigos arrastam-nos para cada coisa. Nunca estamos dispostos a prestar ouvidos às sensatas injunções parentais, quando enviesam o olhar e exclamam vê lá com quem andas. Agora, é tarde.

sábado, 19 de fevereiro de 2022

A ida ao templo

O meu dia, exceptuando os cuidados comigo mesmo, começou com uma visita a um desses templos contemporâneos, onde o ritual gira em torno da deslocação para dentro de um carro gradeado de produtos que estão tranquilos nas respectivas prateleiras. Depois, colocam-se numa passadeira para a sacerdotisa – por vezes, mas raramente, há um sacerdote – os passar por uma maquineta que devolve uma informação ao crente, dizendo-lhe o que adquiriu e o preço da aquisição. Acabada a liturgia, paga-se o ofício sacerdotal e sai-se carregado de coisas que hão-de ser consumidas, isto é, aniquiladas, reduzidas a nada. Talvez seja isto o niilismo. Outrora, não havia catedrais como aquela a que fui. Tudo se resumia a pequenas capelas e a tristes ermidas, o ritual era mais acanhado, embora não tenha a certeza que fosse mais barato. O certo é que, na pequena província, os sacerdotes desses pequenos templos acabavam por ser personagens, enquanto as vestais de hoje, as que cobram os bens e serviços, não são ninguém. Quase se pode formular uma lei. Quanto maior o templo, mais insignificante o sacerdote. Não quero dizer que, por detrás destes novos templos, não estejam cardeais poderosos. Estão, mas são invisíveis. Detestam o contacto com os fiéis, apesar de lhes deverem o cadinalato. Está um sábado ventoso, com uma luz vibrante, mas esbranquiçada. Na avenida, as pessoas ensaiam a saída da pandemia, mas fazem-no ainda com precaução. Leio que o mundo está mais perigoso, mas sobre isso estou proibido de emitir opinião, caso tenha uma.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Trivialidades

Chegou o fim-de-semana. Chegaram, também, os pássaros meus vizinhos. Suspeito que se fartaram do Sul e subiram um pouco, para um Sul menos Sul que o Sul. Não é de bom tom estilístico repetir, na prosa, as mesmas palavras e até os mesmos sons. Assim, além de não dever repetir tantas vezes Sul, deveria evitar escrever palavras como azul ou mesmo bule. Sugerem os donos do estilo que quem queira entregar-se a aliterações, assonâncias, iterações e outras coisas repetitivas que escreva poesia. O certo, porém, é que a chegada dos pássaros, aliada com o florir das orquídeas, anuncia a ainda distante Primavera. Escrevi a palavra orquídeas depois de uma luta tenebrosa com o meu cérebro. Não me conseguia lembrar do nome dessas plantas. Depois de um esforço titânico, desisti. Recorri ao plano B, agora que toda gente tem um plano B, ou se não tem, diz que tem. O meu surtiu efeito. Como na longínqua juventude fui um leitor de Rex Stout, sabia que Nero Wolfe, o detective excêntrico por ele criado, cultivava essas plantas cujo nome não me ocorria. Fiz uma pesquisa e lá encontrei o nome que tinha sofrido na minha memória um curto-circuito. Será pior o dia em que nem de Nero Wolfe me lembre. Em síntese, hoje nenhuma aventura tinha para acrescentar à minha gesta, restava-me encontrar duas ou três trivialidades, e essas nunca me faltam. Agora vou fechar as janelas e ligar o aquecimento, e estes são os primeiros gestos heróicos do dia.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Belos títulos e paixões tristes

Talvez já o tenha escrito aqui, mas se o fiz, não hesito em repetir-me. Há livros que têm títulos magníficos. Hoje, ao deambular por um artigo do filósofo italiano Dario Gentili, encontrei uma referência a uma obra denominada L’epoca delle passioni triste. Não conheço os autores – Miguel Bensayag e Gérard Schmit – mas parece terem um apurado sentido para escolher títulos. Tudo isto foi pensado até há pouco quando decidi fazer uma investigação sobre o livro. Que descobri eu? Que era uma tradução italiana de uma obra francesa, que no original tem o prosaico título Les Passions Tristes. Souffrance Pschychique et Crise Sociale. Talvez o título italiano seja criação da tradutora Eleonora Missana. Facilmente nos deixamos levar por um equívoco. Enquanto se trata de um livro, a coisa não é grave, mas há quem acabe por casar devido a um equívoco, a um pequeno engano, a um simples mal-entendido, que depois haverá de ser descoberto. Talvez, nos dias que correm, nem isso seja particularmente grave. Um divórcio e o equívoco fica desfeito. O artigo que referi está na Electra, a revista da Fundação EDP, uma belíssima revista, diga-se. O número deste Inverno tem por tema Os Números. Um dos artigos, de Matteo Pasquinelli, denomina-se, na versão portuguesa, Do algarismo ao algoritmo: brevíssima história do cálculo, da Idade Média até hoje. Um belo título. O que me fascina, contudo, é L’epoca delle passioni triste. No entanto, talvez exista um outro equívoco no título. E se todas as paixões, independentemente da época, forem tristes, apesar do fogo-de-artifício que as rodeia? Há uns anos, passei uns dias em Bilbau, na altura em que decorriam as festas da cidade. Há meia-noite, salvo erro, havia sempre fogo-de-artifício. As pessoas convergiam para o centro da cidade, sentavam-se pelo chão e viam um espectáculo sempre belíssimo. Depois, acabava, ficava o vazio e cada um voltava à trivialidade da sua noite.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Babel

Há uns anos, antes de termos entrado na carruagem da pandemia, às quartas-feiras, na escola ao lado, havia ensaio de um conjunto musical escolar, onde o vocalista era – ou é – um rapaz do meu tempo. Eu chamava-lhe grupo de baile, pois o que ouvia era um conjunto de êxitos dos anos sessenta e setenta, que os grupos que animavam os bailes de província tentavam imitar. Reparo, agora, que os ensaios não retornaram com o aligeiramento pandémico. Para quebrar a paz e o silêncio, apenas a algaraviada dos adolescentes na praceta, enquanto não chega a hora de entrarem para o centro de línguas, onde hão-de aprimorar o inglês. Não creio que alguém, hoje em dia, estude francês ou alemão. Tornaram-se língua dispensáveis e, por isso, culturas de segunda ordem, por muitos que os respectivos falantes julguem o contrário. Se o mundo estivesse bem feito – e não está – não haveria mais de uma dezena de línguas sobre o nosso pobre planeta, as quais seriam aprendidas por todos neonatos da espécie. Combinávamos a diversidade linguística com a comunicação universal. O mal do mundo é não me consultarem antes de tomarem decisões irrevogáveis. Caso me tivessem perguntado se era coisa boa porem-se a construir a torre de Babel, eu teria respondido que sim, mas – e aqui a adversativa faz toda a diferença – não passem do quinto andar. Se o Todo Poderoso se aborrecer e decidir por castigo multiplicar as línguas, não ultrapassará a dezena, pois se o fizesse a pena seria sem proporção com o delito. Não me ouviram, puseram-se a tentar chegar aos céus e foi no que deu. Ninguém se entende. A adolescência calou-se, exercitam, por certo, o inglês, mas não sabem o que é a torre de Babel, o que é uma pena. Se o soubessem, não alimentariam ilusões sobre uma comunicação universal. O dia está frio e cinzento e eu não tenho mais nada para escrever senão frivolidades.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Cosa mentale

Cheguei à conclusão que o fundamental é a mente. Hoje fartei-me de andar de um lado para outro, numa azáfama digna de uma barata tonta. A certa altura parei e fui consultar a aplicação que gere os meus pontos cardios, seja lá isso o que for. Vários milhares de passos. Muito bem, pensei. Isto deve dar uma boa pontuação. Quando olho para ela vejo o número 3. Tanto ir e vir e apenas 3 pontos cardios. Depois, livre da corveia, decidi caminhar um pouco a pensar nos pontos cardios. Com menos de metade dos passos dados anteriormente, acumulei sete vezes mais pontos. Foi, então, que tive o vislumbre. Sem a mente estar focada no objectivo não há pontos cardios. A mente é que comanda a vida. Quando eu tinha uma idade que nem parecia ser idade, havia quem cantasse o sonho comanda vida, uma óbvia falsidade, apesar dos sonhos, como a pintura, serem cosa mentale. Leonardo da Vinci estava certo quando dizia la pittura è cosa mentale, mas, ao contrário de mim, não percebeu que a sua afirmação tinha uma natureza meramente metonímica. Tomava a parte pelo todo. Deveria ter afirmado tudo é coisa mental, incluindo a pintura. E os pontos cardios, acrescentaria eu, caso falasse com ele. Talvez por isso Juvenal terá escrito mens sana in corpore sano, coisa que aparece no fim de um verso que verseja assim orandum est ut sit mens sana in corpore sano, que é como quem diz reza para teres uma mente sã num corpo são. E daqui concluo que, caso queira acumular pontos cardios para a sanidade do corpo, terei de afinar a saúde da mente para que ela se concentre no desiderato. Se algum leitor incauto pensar que eu sei Latim, informo-o que o pensamento é falso, apesar do próprio Latim ser cosa mentale.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

São valentinizem-se

O mundo está cheio de indícios de que sou velho. Pertenço a um tempo em que não se sabia que S. Valentim tinha uma inclinação para padroeiro de namorados. Para dizer a verdade, não fazia a mínima ideia de quem era o santo, e, caso mo perguntassem, diria que era um daqueles que se comemora no dia de Todos-os-Santos. Hoje, caso quisesse marcar uma mesa para um restaurante, não me seria possível, pois todos aqueles que julgam ter o dever de comemorar a futura separação, ou coisas mais negras, ocuparam as mesas para fazer jus ao pobre do Valentim. Aqui por casa, temos uma especial embirração com o dia. Como este só o Halloween. Todo este rancor não passa, porém, de uma bravata de quem pertence a um mundo que já acabou. Por outro lado, não sou completamente desfavorável ao caso, pois sempre ajuda a restauração a restaurar as finanças, com casa cheia, muita gente feliz, corações e, nunca se sabe, algemas, para casais mais dados à dominação. Quem não deve estar particularmente feliz é a minha neta mais velha. Em vez de S. Valentins, está a ser torturada com equações. A tecnologia não veio melhorar o mundo. Com ela, o braço da avó estende-se por mais de 100 km para lhe ordenar atenção às estratégias de resolução dos problemas. Isto fez-me lembrar a tensão entre a Ucrânia e a Rússia, mas sobre assuntos políticos não tenho opinião. A noite desce lentamente, os namorados suspiram, olham-se, bocejam, enquanto espreitam para o relógio e calculam quanto tempo falta para o jantar. Ah… estava-me a esquecer. Hoje, alguém conhecido, mas não íntimo, perguntou-me o que íamos fazer à noite. Olhei a pessoa perplexo. Se íamos jantar fora, é dia de S. Valentim, esclareceu. Fulminei-a com o olhar. O que vale é que o meu olhar tem pouco de fulminante, e a pobre vítima resistiu. São valentinizem-se, é o que me ocorre dizer.

domingo, 13 de fevereiro de 2022

Spleen

Tenho de mudar as escovas do limpa pára-brisas. Tive de me meter no carro para ir cumprir uma tarefa inadiável. E enquanto me deslocava pela cidade começou a chover. Reparei, então, que as escovas já tiveram melhores dias e que estão a pedir reforma ou, para utilizar o jargão adoptado pelo empreendedorês em vigor, têm de ser descontinuadas. Aproveitei para uma revisitação a uma tarde de domingo na província. Outrora, a tarde de domingo poderia ser dedicada ao numa ida ao cinema ou ao futebol. O cinema foi descontinuado. A sala – um bela e grande sala – foi reconstruída, mas na verdade já não é um cinema. Quanto ao futebol, penso que os espectadores se descontinuaram, mas não tenho provas para o que afirmo. A cidade estava triste, banhada por uma cinza caída de um céu velado por uma cortina de nuvens. As pessoas deslocavam-se presas a uma estranha irrealidade, como se fossem fantasmas. Os domingos de província não são coisa que suscite grandes entusiasmos. Também eu sofro, de momento, dessa falta de entusiasmo. Olho a rua, vejo transeuntes e carros a passar, nada que mate em mim o spleen que me acometeu. Daqui a pouco terá passado, como é hábito. O pior é que amanhã não tenho tempo para ir mudar as escovas. Isso, sim, deveria preocupar-me.

sábado, 12 de fevereiro de 2022

Tentações

Foi uma semana pesada, de tal modo que nem oportunidade tive de vir por estes lugares narrar as extraordinárias aventuras que, contadas com arte e engenho, ainda de mim fariam um Ulisses ou um Cid, el Campeador. Como a natureza não me dotou com essa indústria, fico-me por um anónimo Sancho Pansa que perdeu o seu D. Quixote. Por motivos que não vêm ao caso, hoje coube-me fazer o almoço. Uma experiência que acabei por declinar. Saí de casa e, como isto é uma quase cidade e uma quase cidade moderna, dirigi-me a um takeaway de confiança, com provas dadas. Acho que, olhando o que comprei, nem cozinhei mal, embora ainda não tenha almoçado. A isto chama-se crer na uniformidade da natureza, uma crença que julga por bem afirmar que se as coisas no passado foram boas também o serão no futuro. É uma ideia comovente, apesar de certos pensadores acharem que não tem justificação. Ora, oiço-me dizer, se nós apenas déssemos crédito ao que conseguimos justificar, nada teria crédito. O dia está cinzento, muito, mas não chove. Antes de sair, sentia-me bastante envelhecido, mas agora, retornado a casa, recuperei a idade que tinha, o que não é um consolo extraordinário. Continuo a acumular livros sem saber a razão. Na minha secretária repousam dois de Marsílio de Pádua. São traduções espanholas chegadas na quarta-feira. Talvez sofra de uma adicção e deva entrar para os viciados em compra de livros anónimos, onde haveria confessar as terríveis tentações. As de comprar livros, entenda-se.

domingo, 6 de fevereiro de 2022

Penas desproporcionais

Num poema do realizador e poeta italiano Pier Paolo Pasolini deparo-me com a metáfora os candelabros de oliveiras. Em português, a sonoridade não é arrebatante, tão pouco em francês, a tradução em que leio o poema. Como não tenho acesso ao original, faço a experiência de traduzir a tradução para italiano, com a esperança de aceder ao que Pasolini terá escrito. O tradutor devolve-me lampadario di ulivo. A aliteração do ‘l’ e a assonância do ‘i’ dão à metáfora uma intensidade que as versões em português ou em francês não alcançam. Olho para as oliveiras da escola ao lado e, pela primeira vez, vejo nelas um candelabro, como se elas tivessem na sua seiva o estranho poder de me iluminar. Agora, o silêncio caiu no parque infantil da praceta. Até há momentos um bando de crianças entregava-se a jogos ruidosos por onde se expandia a sua infância. O dia está luminoso e não há vento. A ramagem do arvoredo não bole, nem nos céus há pássaros ou anjos a voar. Na avenida, os carros passam tomados pelo fastio de domingo. Alguns estacionam para que de dentro saia alguém à procura de um café ou de um bar. Um casal é levado pelo seu cão, um animal minúsculo, irascível. Uma moto ronca quebrando o sossego dominical, para o seu condutor confirmar no troar mecânico a virilidade. Nunca deixam de me espantar as causas que suspeito nas acções dos seres humanos. Uma das minhas netas está a ter uma lição de inglês, em videoconferência, com a avó. Há pouco foi a outra, mas a lição era de francês. Tenho pena delas, mergulhadas neste mundo cheio de possibilidades comunicativas. Olho para o relógio e penso que a missa do meio-dia, em S. Pedro, se aproxima do fim. Ao acabar, as famílias sairão para o almoço dominical, como se o mundo continuasse igual àquele em que também eu ia à missa em S. Pedro. Esse mundo, todavia, acabou para mim há mais de quarenta anos. Presumo que o padre será outro e que os próprios fiéis serão, em grande parte, outros. Depois, penso no poema de Pasolini e fico a contemplar a expressão lampadario di ulivo. Uma dúvida veio atormentar-me: e se Pasolini escreveu outra coisa? Deveríamos conhecer todas as línguas do mundo para poder ler poesia no original. A realidade, de facto, deixa muito a desejar. O castigo por causa da torre de Babel parece-me excessivo. Uma pena desproporcional, diria um jurista. Eu abano a cabeça em sinal de concordância.

sábado, 5 de fevereiro de 2022

Conspirações

Talvez a realidade não passe de uma encenação, o resultado de uma teoria da conspiração. Não digo isto motivado pelo ódio que, contra mim, a balança continua a destilar. Ela fá-lo, mas, por certo, não conspira contra mim. O caso é outro. Ontem passou na RTP 2 um filme de Buñuel, A Bela de Dia. Decidira vê-lo. Qualquer coisa correu mal no computador e o filme ficou preso e eu desisti e, em vez de Buñuel, na televisão, decidi-me por um Antonioni, na plataforma cinematográfica de que tenho uma assinatura. Hoje, ao abrir um livro, cai-me lá de dentro um rectângulo de cartão usado para marcar uma página. Fui ver o que era e descobri um bilhete de cinema – do Cine Teatro daqui – com a data de 24-Out-07 e com a hora 21:30. E que filme fui ver nesse dia, àquela hora? Precisamente, A Bela de Dia, de Buñuel. O filme é de 1967 e tem por protagonista Catherine Deneuve. Belíssima nos seus vinte e poucos anos. Estes acontecimentos, que uma mente prosaica, perdida na trivialidade do quotidiano, atribuirá ao acaso, são o resultado de uma conspiração, cuja finalidade é incompatibilizar-me com o tempo. A Yourcenar acha que ele – o tempo – é um grande escultor, mas eu, olhando a Deneuve nos seus vinte e pouco anos, tenho a certeza de que ele – o tempo – deveria ocupar-se de outras coisas e deixar a escultura em paz. Estes textos, ultimamente, têm tido um tamanho excessivo. Pergunto-me se não estou a sofrer de verborreia. O melhor é ficar por aqui, até porque o meu neto não tarda.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Lágrimas

A noite de sexta-feira já caiu há um bom bocado. Preguiço, deixando deslizar pelas colunas da aparelhagem o som de um disco de jazz. A faixa que oiço neste momento tem um título curioso, Transformação pelas Lágrimas. Talvez o autor esteja equivocado ao escolher tal título. Não são as lágrimas que provocam uma transformação, mas certas transformações existenciais geram lágrimas. Isso é muito conhecido tanto na religião como na psicanálise. Uma conversão religiosa, não me refiro aquelas que vão acontecendo ao longo de um período alargado, uma conversão religiosa, escrevia, pode ser acompanhada, se ela é súbita, por um amplo verter de lágrimas, como se fora uma forma de purificação da alma. O mesmo se passa no processo analítico, quando o paciente toca em algo que recalcara e escondera no fundo do inconsciente. Seja como for, as lágrimas são o sinal de uma transformação e não a sua causa. Alguma coisa que se solidificara e que se liquefaz. O que vale é que a faixa já mudou e a que oiço agora tem o título Deep as Love. Não vou massacrar ninguém com uma meditação sobre profundidades e amores. O que me atormenta é a velocidade com que a sexta-feira se precipita em direcção ao sábado. Se o mundo estivesse bem feito, chegada a hora em que uma pessoa – qualquer pessoa – se liberta dos imperativos da necessidade, o tempo refreava o seu ímpeto, a sua ânsia de transformar cada momento em passado, nessa busca inglória de um futuro que nunca atingirá. Por falar em tempo, é de bom tom citar uma autoridade. Agostinho de Hipona, escreve a certa altura O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo pergunta, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei. Agostinho escreveu isto no capítulo 14 do Livro XI, das Confissões. Agostinho, Santo Agostinho, também ele se converteu. Na mesma obra, no capítulo 12 do Livro VIII, escreve: Quando, por uma análise profunda, arranquei do mais íntimo toda a minha miséria, levantou-se enorme tempestade que arrastou consigo uma chuva torrencial de lágrimas. Talvez tempo e conversões, sejam elas quais forem, estejam ligados. Para terminar esta estranha e inesperada deambulação, uma nota sobre esse livro VIII. Todo ele é uma belíssima peça literária. A hora de jantar aproxima-se.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Uma vida plácida

Depois de uns dias na capital, retornei manhã cedo ao lar. Ao chegar, constatei que a cidade não apenas não mudara de sítio como continuava com a mesma cara. A constatação tranquilizou-me. A partir de certa idade, as mudanças tornam-se todas elas suspeitas. Não vale a penas virem atirar-me à cara que não possuo alma de revolucionário. É um facto. Quando era novo, muito novo, pensava que era revolucionário e que haveria de mudar o mundo. No entanto, havia sinais que, estivesse eu atento a eles, me indicavam que a minha índole era outra. Por exemplo, se frequentava um café, gostava de me sentar sempre na mesma mesa. Se ela estava ocupada, sentia em mim uma certa contrariedade. Se me deslocava habitualmente a um certo sítio, escolhia sempre o mesmo percurso em vez de me pôr a inovar. Com isto está provado que além de não ser um revolucionário, também não sou um inovador, coisa que agora está muito na moda. Não há cão nem gato que não o queira ser, embora a falta de talento da maioria desses candidatos a inovadores seja uma segurança para quem como eu é adepto de uma vida plácida. A noite já pousou sobre a cidade e abrigou-a com o negro das suas asas. O pior é a falta de chuva. Não tarda, a península que nos coube em sorte torna-se um deserto. É o que dá o ímpeto revolucionário e o espírito inovador. Fosse o clima conservador e ainda hoje teríamos quatro estações, agora nem sabemos ao certo quantas são.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Dia sabático

Hoje decidi oferecer-me um dia sabático. Não fazer rigorosamente nada. Fui almoçar fora e passear numa tapada para apanhar sol ou, quando este estava muito quente, para me proteger na sombra de velhas árvores. Descobri que muitas outras pessoas se tinham oferecido a si mesmas um dia sabático. Hoje não tive videoconferências, nem reuniões intérminas, nem admiráveis discussões sobre o sexo dos anjos ou o melhor modo de salvar o mundo ou as pessoas, ou sei lá eu o quê. Um dos males deste planeta é estar pejado de gente que se representa como super-herói. Por norma, estas pessoas, sempre prontas a descortinar causas de salvação, são daquelas que fazem o mal e a caramunha. Como se vê, contínuo, mesmo em dia sabático, a cultivar expressões ao gosto popular. Foge-me o pé para a chinela, quero eu dizer. Tanta aparência de erudição, mas a verdadeira cultura de base é aquela composta por máximas, provérbios e ditos do mais trivial senso comum. Aproveito para esclarecer que senso comum e bom senso não são a mesma coisa. Apesar de certo e importante pensador, um dos pais da modernidade, afirmar que o bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo, pois não há quem julgue que precise de mais do que aquele que possui, apesar disso, dizia, o bom senso é uma coisa bastante incomum. O comum é as pessoas terem pouco sentido das coisas. Têm um olhar enviesado sobre a realidade. Eu também o tenho, mas é um enviesamento hiperbólico. Olho de lado e vejo tudo aumentado, embora quando olhe para mim de esguelha não consiga ver na minha pessoa um super-herói. Poderia ser um super-homem, mas tenho medo da kryptonite e de que ande por aí algum Lex Luthor à minha caça. Vou agora ver deslizar o dia, olhando para as águas de Tejo a fundirem-se no mar, à espera que as minhas netas cheguem. Enquanto o rio flui, vou ler mais umas páginas da Ogawa. Isto é permitido em dia sabático.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Pedir chuva

A seca agrava-se, leio. Não se pode ter tudo, não se pode ter sol na eira e chuva no nabal. Neste caso, ou se tem um Janeiro primaveril ou se tem água nas barragens. Se houvesse um regulador da natureza, tudo era mais fácil. De dia, havia sol; de noite, chovia e as barragens enchiam-se de água. Como ninguém me pediu conselho, agora as coisas estão como estão. Avanço vagarosamente na leitura do romance de Yoko Ogawa, A Polícia da Memória. Tudo se passa numa ilha sem nome e a obra parece inscrever-se na categoria das distopias. Nessa ilha, as coisas desaparecem e com esse desaparecimento vão-se também as memórias delas. O papel da polícia da memória é assegurar que não persistam memórias daquilo que desapareceu. Ao não-ser não deve corresponder seja o que for. No início do século XVI, Thomas Morus escreveu Utopia, de certo modo inspirado na República platónica. Apesar da ironia do nome, a obra representa uma visão benevolente de uma sociedade humana, uma espécie de ideal orientador inscrito na génese da modernidade. Se olharmos para o século XX, o que encontramos são distopias, uma visão negra das possibilidades humanas. Serão uma confissão literária da falência do projecto da modernidade. Nem sei o que me deu para me dedicar a este tipo de conjecturas. Deveria ir apanhar sol e aproveitar estes dias em que a chuva se entrega a uma greve sem fim à vista. Também, um mundo onde fizesse sempre sol e nunca chovesse poderia acolher uma distopia literária. À minha frente estende-se uma belíssima tapada. Árvores centenárias, animais, pessoas passeando. O pior é a falta de chuva. Outrora, ouvia-se muito a expressão estás mesmo a pedir chuva. Parece que sim.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Perversões de Janeiro

Janeiro acaba hoje, lá para a meia-noite. Um mês pervertido, de maus hábitos, a fazer passar-se por aquilo que não é. O que tinha ficado combinado, quando foi feita a distribuição dos meses pelas estações, era Janeiro ser um mês de Inverno, com chuvas copiosas, águas a correr peãs cidades e pelos campos, talvez inundações, sabe-se lá mais o quê. Nada disso. Janeiro agora é Primavera, árvores a florir, passarinhos a cantar, um sol vigoroso. À noite está frio, claro, mas os dias são uma antecipação do que está para vir. Hoje é um dia particularmente pesado. Voltaram as videoconferências, uma espécie de exercício penitencial adequado a quem tem muitos e graves pecados, embora existam videoconferências para todos os gostos. Umas são rápidas, sem considerações sobre o importante tema do sexo dos anjos. Outras, porém, são exercícios ferozes de angelologia, onde o assunto principal é o do sexo dos mensageiros divinos. Há quem esteja fascinado por esse sexo etéreo e sobre ele derrame as mais profundas especulações. Não tenho a certeza, mas será a casos destes que se aplica aquele comentário acintoso que proclama: Freud explica. Na verdade, Freud não explica nada há muito, muito tempo, mas é pena. Ontem deu-se o desfecho da campanha eleitoral. Encerradas as urnas, pode-se dizer que a campanha – uma alegre campanha – não focou muitos dos assuntos mais excruciantes que afectam este cantinho à beira-mar plantado. Por exemplo, o desconcerto das estações, elas que deveriam suceder-se em ritmo concertante, ou a razão por que há tanta gente disposta a gastar a vida dos outros a discutir o sexo dos anjos. Os nossos políticos de todos os quadrantes eximiram-se ao dever de discutir coisas destas que atrapalham a vida de toda a gente. Uma pena e uma oportunidade perdida.

domingo, 30 de janeiro de 2022

Uma questão de almas

Hoje é domingo e, devido a um hábito contumaz, o almoço será tardio. A meio da manhã recebi uma chamada do padre Lodo. Já fui votar. Desde que adquiri nacionalidade portuguesa, não falhei uma eleição, acrescentou. Sou devoto da democracia, apesar de jesuíta. Ao dizer isto começou a rir-se. Temos má fama, continuou, mas somos uma companhia moderna. Aqui, foi a minha vez de me rir. Modernos, então não são um pilar da contra-reforma? O que lá vai, lá vai, respondeu ele. Depois, começou a evocar a sua Itália, a família. Um dia destes vou fazer uma visita. Querem vir comigo, perguntou, como quem faz um convite. As minhas netas estão um pouco aceleradas. Desde que têm um cão, tratam-no como se fosse um irmão. O bicho olha para mim desconfiado, não devo ter ar de pertencer ao clube dos adoradores de animais. A verdade é que não me passaria pela cabeça fazer de avô de um cachorro. Devo ser um especista do pior, mas, apesar de defender que os seres humanos têm deveres rigorosos para com os animais e até para com as árvores, não julgo que se lhes deva dar direito de voto. Sobre este assunto partilho a visão do padre Lodo, que apesar de ter o seu gato de estimação, não admite a ideia de uma continuidade entre espécies. Costuma dizer que admira Darwin, mas que um homem é um homem e um gato é um gato. E os gatos não têm alma, para logo acrescentar: não têm alma imortal. Por analogia, também acho que o cachorro das minhas netas não terá uma alma imortal. Aproxima-se a hora de almoço.

sábado, 29 de janeiro de 2022

Dia de reflexão

Até eu, um mero narrador, estou em dia de reflexão. Em vários sítios tenho encontrado um feroz argumentário contra este dia anteposto aos actos eleitorais, no qual as pessoas se recolhem e se colocam diante do espelho para este as reflectir. Como é público, eu não me meto em política e não tenho opiniões políticas. Estou proibido pelo autor. Contudo, não posso estar mais em desacordo com todos aqueles que vituperam a existência deste magnífico tempo, no qual, depois de ouvirem e de estudarem as múltiplas opções que a pátria tem para cumprir aquilo que é determinado por Bruxelas, as pessoas se entregam a um tenaz exercício da sua razão crítica para determinar, se for esse o caso, a quadrícula do boletim de voto onde irão colocar um X. E este acto – o de colocar um X – deveria produzir uma grande indignação, pois discrimina os homens, os machos da espécie. Estes deveriam ter direito a colocar no boletim de voto um Y. Pouco corajosos, temendo que o Y corresponda a um voto nulo, lá cedem na sua masculinidade e, nesse momento crucial em que escolhem o destino da pátria, feminilizam-se e em vez do verrumante Y pespegam no papel o doce e harmónico X. Não faço ideia se a Comissão Nacional de Eleições permite que se expresse este tipo de problemas, mas há que correr riscos. Hoje está um dia de Primavera por aqui. Fui à rua e senti as pessoas acabrunhadas. Deve ser o peso da reflexão, ainda não sabem em que quadrícula hão-de fazer o X, pensei. Antes de encerrar este assunto, gostaria de sublinhar a perspicácia do legislador que, nos anos 70 do século passado, decidiu um dia de grande serenidade, digamos de bonança política, antes daquele em que as urnas se abrem e se fecham. Faz-me lembrar aqueles momentos de súbita calmaria no mar que antecedem as terríveis tempestades.  O legislador era, de facto, perspicaz, mas também dado ao exagero e ao drama. Tinha uma visão teatral da política, não percebendo que vivemos no mundo moderno, numa época onde a burocracia ocupou o lugar do encantamento mítico. Tudo depende da contabilidade e não das vontades ínvias dos deuses. Agora, vou continuar a reflectir, mesmo que um narrador, um mero ser de papel, não tenha direito de voto. Outra injustiça, não bastava já o banimento dos Y, também os narradores – sejam X ou Y – foram banidos.