Ainda não ouvi nenhum dos meus alunos jurar que a terra é
plana. Talvez não se tenham deparado com a moda ou o assunto não os interesse.
Por vezes, noto que um ou outro é mais atreito a teorias da conspiração. Alguém
me informa que foi o governo americano que derrubou, num acto de pura malvadez
e movido por insondáveis interesses, as torres gémeas ou que o homem nunca foi
à Lua, que tudo isso foi filmado na Terra. Talvez em Cacilhas, sugiro eu, mas
ninguém percebe a alusão perversa. Enquanto contemplo o ar crepuscular do dia e
oiço vozes sem perceber o que dizem, devaneio à volta do pluralismo epistémico
que as redes sociais promovem. E em tudo isso sinto profundo agrado. Desde que analfabetos
e idiotas têm, a partir da irrevogável autoridade com que estão investidos, um
lugar para expor a sua profunda visão científica da realidade, sinto que também
a minha ignorância se pode expandir e ser partilhada. O que seria de mim se os broncos
não pudessem falar, pergunto-me, enquanto uma ambulância passa veloz em direcção
ao hospital.
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019
domingo, 17 de fevereiro de 2019
Analgésico
Devo ter dormido mal, pois o dia parece-me taciturno, o
exercício de uma longa hesitação, como aquelas em que caiem os pais perante a pilhéria inadvertida de um
filho. Não sabem se devem rir ou pôr uma máscara carrancuda, das que anunciam o
fim do mundo. Será que ainda há pais profetas ou converteram-se todos à terapia pelo riso? Devo ter coisas para fazer mais urgentes que não fazer nada ou pensar
nas idiotices que me ocorrem, mas hoje é domingo. Passo os olhos pelos jornais
e bocejo. Também o céu boceja ensonado e tem sobre mim a vantagem de não poder
consultar a comunicação social. Uma mulher sentada à mesa de um café ergue,
circunspecta e levemente nauseada, os olhos para as nuvens. Apoia o queixo numa
das mãos. A outra desliza sobre o vestido e deixa ver os dedos sem anéis. O que
pensará ela? Talvez não pense. Uma criança fala para o pai, que a olha
embevecido, enquanto lhe exibe uma bola. De súbito, lembrei-me dos almoços de
domingo na infância, mas afasto com denodo a imagem herética. Deixemos o
passado dormir e não o confundamos com um analgésico sem prazo de validade.
sábado, 16 de fevereiro de 2019
Grandeza maior
O presente é uma caravana parada em nenhures. De que
substância será feito? De água, que desliza lentamente sobre o leito de um rio cheio de ciladas e fundões ameaçadores? De ar, que se enovela e turbilhona,
como se trouxesse na alma um áspero anseio de caos? Os sábados são propícios
aos metafísicos de província, penso eu, encerrado no meu invencível
paroquialismo. Ao menos aquele par de namorados vai avenida fora, mãos dadas,
recebendo o calor que o fogo do sol envia para sua beatitude. E nesse ir
nota-se já o rumor do futuro e a ruína que sobre o amor cairá. Se eu fosse um
metafísico urbano, tudo seria mais grandioso e exacto. Avaliaria as proposições
sob o rigor das leis da lógica, mas aqui na província é tudo mais penumbroso e à
lógica, apesar de bela e tecida com os fios do rigor, ninguém dá dois dedos de
conversa ou um minuto de atenção. E o pior é que se fica sem saber de que é
feito o presente ou sequer o amor que unia o par de namorados de há pouco. Está
um inverno seco, dizem-me. E eu inclino a cabeça e aquiesço sorrindo, sem ter
nada para dizer. Não há grandeza maior do que a nossa nulidade.
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019
Grandes causas
O Inverno luta pela vida e ao escrever isto lembro-me de
imediato que se teima, agora, em grafar o nome das estações do ano e o dos
meses com letra minúscula no início da palavra. Já antes, por decisão sacrílega,
os dias da semana tinham sido reduzidos à insignificância lexical. Nesta metamorfose
da letra inicial não há apenas o arbítrio de quem decreta como se há-de
escrever. Há ainda um fundo terror de quem não consegue enfrentar os decretos
do tempo. O melhor é deixar-me destas considerações e voltar para o Inverno,
esse que treme ameaçado pela Primavera, mas que, infeliz como um amante
atraiçoado, resiste, tapando o sol com a cumplicidade de umas nuvens leves e
levianas. Os alunos da escola que fica ao fim da rua foram para casa. Alguns
gritam na praceta aqui ao lado. Se eu fosse mês ou estação do ano faria greve,
até que repusessem a maiúscula inicial e me reposicionassem no meu devido
lugar. As grandes causas só lembram a gente desvalida como eu.
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019
Enganos
Nem sempre a realidade é como a vemos. Não foi uma meditação
filosófica que me levou à banalidade desta consideração, mas um engano na
identificação de alguém que passava na rua, no outro lado da estrada. Não deu
por nada, continuou no seu caminho pisando com firmeza o empedrado do passeio,
até que se esgueirou para dentro de um café. Na sua inconsciência, nem deu pelo
perigo de perder a identidade e tornar-se outra pessoa. Talvez seja isso que
acontece connosco. Vamos rua fora, metidos com os nossos pensamentos,
distraídos com o que está à nossa volta e, quando menos se espera, alguém nos
troca. Se nos descuidamos, tornamo-nos outros e corremos a risco de nunca mais
voltarmos a ser o que éramos, pensei preocupado, sem saber se eu não seria já
outro ou se ainda continuava a ser o que era.
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019
Ignorância
O dia de hoje lembrou-me os de Maio, talvez mais puro e
ardente, talvez mais brilhante na rapidez com que a noite há-de chegar. Os
pássaros que se tinham calado em Dezembro voltaram a cantar perto da minha
janela. Terão perdido o saber das estações, pensei ao ouvi-los, ou então
adquiriam um novo saber que eu ainda não compreendo. A verdade é que compreendo
cada vez menos coisas e sinto esse avanço inexorável da perplexidade como uma
libertação. Um pássaro canta, um carro passa lançando baforadas de fumo e eu
entrego os meus parcos saberes na casa do esquecimento. Se pudesse, que se me
perdoe o egoísmo, guardava toda a ignorância para mim.
terça-feira, 12 de fevereiro de 2019
Obstinações
Um acaso conduziu-me a uma reprodução de um fresco de
Pompeia. Uma bacante, ébria e aterrorizada, dança, enquanto outra, sentada e
impassível, amamenta do próprio seio um pequeno veado. Talvez o mundo, penso,
seja isso, um equilíbrio instável entre os que dançam e os que descansam, entre os
que vivem no terror e os que, mesmo na mais temível tempestade, permanecem imperturbáveis.
Desvio o olhar dessas figuras e vejo o céu azul e puro, sem uma nuvem que o desassossegue.
O sol brilha, mas a luz que banha as paredes dos prédios anuncia já o seu
declínio. Oiço, vindo de uma escola, o vozear com que a adolescência cobre a
sua perturbação. Talvez a bacante que dança se tenha sentado e a outra se
entregue agora ao furor do ritmo, alvitro e recolho o olhar para observar mais
uma vez o fresco. Tudo permanece como estava, como se a obstinação fosse uma
qualidade que o mundo, para repousar das metamorfoses, gostasse de preservar. Por
trás das bacantes, um sátiro toca flauta e no andar de cima ouve-se o rumor
mecânico e desalmado de um aspirador.
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019
Preço
São dias como o de hoje que anunciam os tormentos que a
estiagem, lá mais para a frente, há-de fazer cair sobre nós, mortais volúveis
que tão depressa lançamos anátemas ao frio como pedimos clemência aos céus, se
o calor vem em borbotões desabar por estas ruas. Os estados de espírito dos
homens são o verdadeiro objecto das ciências ocultas. São mistérios
indecifráveis e se usamos palavras como inconstância, volubilidade ou instabilidade
para os caracterizar, isso é mais uma manobra com que cobrimos a nossa
ignorância do que um acto de saber. A verdade, porém, é que o dia nasceu fadado
a ser soalheiro e as pessoas agitam-se na rua com ademanes primaveris. Uma ou
outra mulher passa mais leve na roupagem e um gato deita-se na relva a apanhar
banhos de sol. E eu vejo tudo isso como se fosse cego e nessa minha cegueira me
protegesse dos dias que hão-de vir ou mesmo daqueles que já se foram. Penso
nestas coisas sem sentido, enquanto abro a caixa do correio e encontro uma
carta que me há-de anunciar alguma conta a pagar. Tudo tem um preço nesta vida.
domingo, 10 de fevereiro de 2019
Dissensões
Tenho de ir à farmácia, penso olhando para a rugosidade parda
da avenida, sob um céu indeciso, que não sabe se há-de ou não enviar uma
chuvada bíblica sobre a terra. Preciso de um daqueles medicamentos que fazem a
vez da vesícula. É o que dá andar por aí a perder órgãos, diz-me o anjo negro,
enquanto ri não sem uma ponta de escárnio. Não, responde com ar contrito o anjo
branco, é o que dá o pecado mortal da gula. Como os homens, também os anjos
nunca se põem de acordo seja sobre o que for, e eu, pobre mortal, não sei se a
culpa de tudo isto foi da fraca qualidade da vesícula que me coube ou se da
minha propensão para ceder às tentações. A verdade é que tenho mesmo de sair e
deixar-me de considerações teológicas. O domingo é o dia do Senhor e não dos
teólogos, acho eu, mas não tenho bem a certeza.
sábado, 9 de fevereiro de 2019
Cartões
As contas dos restaurantes, muitas vezes, vêm acompanhadas
com o cartão da casa. Não me faço rogado e fico com ele. Não porque vá
utilizá-lo para fazer uma marcação futura ou porque faça colecção de cartões.
Não sou dado a esse exercício de acumulação de coisas inúteis, que a tanta
gente fascina. Guardo-os para marcar livros e lá os vou depositando entre
folhas, onde ficam esquecidos e melancólicos. Quando abro um livro que há muito
tempo não abria e encontro um desses cartões, o mais certo é que não saiba
quando me veio parar às mãos, mas ali está como prova de que um dia prestei
atenção às palavras que aquele livro alberga. Foi isso o que aconteceu há pouco
quando peguei num velho livro de poemas do Eugénio de Andrade. Lá estava,
abandonado e solitário, um desses cartões. A noite cai e a iluminação pública segrega
uma luz triste e infeliz sobre as ruas. Olho cartão e ele nada me diz sobre
esse lugar onde um dia estive e que hoje não é mais do que um pedaço de cartão
que marca um poema que um dia achei que não deveria ser esquecido.
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019
Sem promessas
Sento-me na plateia e olho um palco coberto de vociferações.
Habitar o mundo é um ofício que exige uma infinita paciência. O Inverno vai a
meio, constato, mas há momentos que já trazem o odor melado da Primavera. Eu
sei, pois há muito que estou sentado no mesmo sítio, que se exulta com os
eflúvios desses dias em que a natureza há-de florescer, entre o orvalho das
manhãs e o zumbir dos insectos, para que os corações amoleçam e os instintos se
disfarcem no fervor de uma écloga. Por falar em pastores, o mau gosto é um lobo
que nunca deixa de rondar os rebanhos. O vento insiste, com as suas artes
rasteiras, em precipitar-se contra a minha janela. O vidro reluta e apenas
deixa entrar a cinza da tristeza que se desprende da paisagem. Ao longe, voam
dois corvos mas não os oiço crocitar. O fim-de-semana começa viscoso,
esburacado e, como eu, sem promessas para o dia de amanhã.
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019
Palavras
As quintas-feiras são exercícios difíceis que só o cair da
noite apazigua. Trégua de curta duração, penso, enquanto subo vagarosamente o
viaduto e entro numa das mil rotundas com que a estética municipalista decidiu
decorar o pequeno país que nos cabe. Viver das palavras é um ofício estranho,
tão frágeis e impotentes elas são. Às vezes, fazem milagres, uma vida que muda,
alguém que escuta e descobre, na encruzilhada, o caminho a seguir, a sua
estrada de Damasco. A mais das vezes são inúteis. Mal proferidas, logo se
repartem em sílabas e estas, no momento seguinte, já são pó de
letras, que o vento, incauto é húmido, levará. A noite cerra-se com obstinação
e a escuridão toma conta de mim. O melhor seria viver calado, fazer do mundo
uma grande cartuxa. Ao menos poupava-me aos meus disparates.
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019
Inflamações
As pessoas sofrem muito de inflamação. Inflamam-se por tudo
e por nada, como se disso dependesse o destino do mundo ou mesmo o delas. O
melhor seria darem longos passeios avenidas fora ou então contar carneiros para
ver se adormeciam. Já estou a ouvir as reacções. Queres um país de sonâmbulos.
Não é verdade, acho muito desagradável deparar-me a cada esquina com alguém que
caminha a dormir. Preferiria que repousasse na cama, num quarto fora dos olhares
curiosos. O sol já esteve mais inflamado hoje. O mundo é um sepulcro de
ilusões, constato enquanto me preparo para sair. Apropriado seria plantar
ciprestes e cultivar crisântemos, ou então tomar um anti-inflamatório.
terça-feira, 5 de fevereiro de 2019
Enganos
Cheguei àquela fase em que arrumo as coisas nos sítios mais
improváveis. Talvez o destino dos seres humanos seja esse, fomentar improbabilidades
até que eles próprios se tornem improváveis e sejam varridos para o
esquecimento. Eu sei que este pensamento é soturno, mas nem sempre o brilho do
sol vespertino é suficiente para ofuscar o fardo da sombra. Num dos apartamentos
contíguos, alguém está apostado em furar a parede. O barulho da broca fende o
silêncio e zune-me dentro da cabeça. O mundo nunca é como nós o queremos,
constato não sem que me aproxime de alguma heresia. E enquanto vou escrevendo
estas coisas reparo que, mais do que é hábito, estou a trocar as letras ao
formar palavras. Trocas e heresias é tudo o que tenho. Há quem venda certezas,
outros mercadejam indignações, a mim, que sou cada vez mais improvável,
restam-me enganos. Podia ser pior.
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019
A mudez dos deuses
Outrora, os deuses falavam através das folhas dos carvalhos
batidas pelo vento suave vindo do mar. Lembrei-me disso ao olhar o sol
entristecido que desliza dos céus. Fevereiro nasceu vociferando grandes
chuvadas, mas já se arrependeu. Uma mãe apressada, ajoujada ao peso de uma mala,
conduz a filha praceta fora, entra para um prédio, fechando sem violência a
porta. Silêncio. A solidão do mundo desdobra-se sobre aquele lugar, onde dois
pombos poisam, para logo levantarem voo e perderem-se num telhado que não vejo.
A vida é sempre um exercício de mutilação. A cada instante, a faca de lâmina
afiada corta uma invisível fatia, para que a jactância humana seja reduzida ao
que é, a nada. O pior, penso, é a mudez dos deuses. Ou então sou eu que não sei
escutá-los quando murmuram no folhedo das árvores.
domingo, 3 de fevereiro de 2019
Economia de mercado
Envelhecer é cair na folhagem obscura de uma floresta sem
nome. Uma vez por outra sou assaltado por pensamentos destes, pensamentos em
que, como em certas filosofias, não se pensa nada, o que é um grande alívio.
Foi o que me aconteceu hoje, ao deslocar-me a uma aldeia onde, à beira da
estrada, os donos dos pomares vendem laranjas. Há dez anos, nunca pensaria
nisso, mas agora um patriotismo aldeão, atávico e despido de interesse, estende-me armadilhas
destas. O sol refulgia nas laranjas, os carros passavam mergulhados no domingo,
e a vendedora, vinda de um tempo onde nem como promessa eu seria pensado, cerzia
com cuidado o passado e o presente e oficiava, como sacerdotisa experiente e
pura, os velhos rituais da compra e da venda, dessa troca que abre caminhos por
dentro das mais obscuras e inomináveis florestas. E, enquanto regressava,
barafustando com a Antena 2 pelo programa que se lembrara de pôr no ar, só para
me irritar, constatei que não há nada como a economia de mercado.
sábado, 2 de fevereiro de 2019
Opinião
Mal abro o facebook,
este, desfrutando a intimidade que o uso confere, informa-me que está a pedir a
opinião a um pequeno grupo de pessoas. Imagine-se quem haveria de fazer parte
desse grupo restrito, uma verdadeira elite, a quem a opinião está a ser
solicitada. Eu. Fiquei lisonjeado. Até que enfim alguém reconhece a minha
natureza, pensei com os meus botões. O problema, ponderei, é que não tenho
opinião seja sobre o que for, muito menos sobre aquilo que o facebook há-de querer saber. Eu sei, eu
sei. Estou a mentir. Ter opiniões, tenho. Aliás, não me faltam opiniões sobre
tudo e sobre nada. O drama é que não consigo acreditar nas minhas opiniões.
Espantam-me sempre as pessoas que acreditam nas suas próprias opiniões. Como é
possível? Para mim, basta que uma opinião se apresente como minha para logo
deixar de acreditar nela. Resoluto, tomei a decisão de poupar o facebook às opiniões em que não acredito
e ao meu cepticismo contumaz. E assim abdico da glória de pertencer ao pequeno
grupo. Nunca deixarei de ser um átomo perdido na massa. Cada um é para o que
nasce.
sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019
Fevereiro
Fevereiro chegou e não tenho, no bolso do casaco, nenhum
provérbio para o acolher. É sempre assim, quanto mais preciso de um ditado mais
ele se esconde de mim. O dia declina e a chuva na chuva anuncia a obscuridade.
O vento empurra ruídos incompreensíveis e os meus ouvidos, infelizes, recebem
esses prenúncios do inferno. Logo reparo que basta trocar o efe do inferno por
um vê para cair no inverno. Pouco cuidado têm os construtores lexicais ao
aproximarem palavras com temperaturas tão diferentes, meditei com desconsolo. Estamos
em Fevereiro e a rua parece um ribeiro, suspiro. Pelo menos rima.
quinta-feira, 31 de janeiro de 2019
Perfil
O LinkedIn – eu tenho, embora não saiba porquê, uma conta LinkedIn – informa-me, manso e solícito, que há pessoas que andam a ver o meu perfil. Presumo que deveria exultar com tamanha curiosidade. Não exulto e nem sequer creio que tenha perfil para ter um perfil, mas se o tiver, por certo, será horrível. Que interesse haverá em ver tal coisa? O pior é que é capaz de chover quando sair de casa e não me apetece levar guarda-chuva. Bom seria que pudesse enviar o perfil que me andam a espreitar encontrar-se com a gente que estará daqui a pouco à minha espera. Talvez ninguém desse pela diferença e eu ficaria sentado e apócrifo a meditar sobre a ilusão e a realidade, ou a iniquidade que se esconde sob a capa das coisas banais.
quarta-feira, 30 de janeiro de 2019
Espera
A tristeza desprende-se das nuvens em gotas ínfimas, paira
por instantes sobre a cidade e precipita-se, como um vício insensato, pelas
ruas. O que me salva é o vídeo do meu neto chegado através de uma daquelas
aplicações que teimam em aproximar a humanidade. Vejo-o esbracejar, quase
irado, e isso faz-me rir e dá-me ânimo. A arte da consolação não é esquiva nos
materiais que escolhe para distribuir a sua bênção. O vento sopra contra a janela, empurra a chuva e perante
os meus olhos desenham-se incontáveis universos de água, que logo se arrojam para
a arca negra da inexistência. Ninguém sabe o que fazer com a obscuridade do
dia. Uns esperam a luz, outros aguardam as trevas. Eu, pobre de mim, olho as
façanhas do rapaz e conto os dias que faltam para ele voltar cá a casa.
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