sexta-feira, 4 de setembro de 2020

O desaparecimento dos rituais

Os olhos secam, tal o calor que está por aqui. Bebo água para me hidratar, mas ninguém consegue usar os neurónios seja no que for com estas temperaturas. Já pensei em recorrer ao ar condicionado, mas aí tudo se complica. A garganta protesta, a voz enrouquece e o espírito começa a duvidar sobre se o corpo não se terá contaminado com o novo vírus que anima a realidade pelo mundo fora. Fui levantar umas encomendas a um posto dos CTT incrustado numa loja que vende livros e materiais escolares. Toda a gente de máscara, o que terá vantagens estéticas e sociais assinaláveis. A continuar assim, chegaremos ao dia em que teremos pudor em mostrar o rosto, mesmo os praticantes de nudismo hão-de fazê-lo de máscara. Uma das minhas leituras actuais é a de um filósofo de língua alemã, de origem sul-coreana, com o inusitado nome de Byung-Chul Han. A obra é Do Desaparecimento dos Rituais. Uma leitura suave e que não há-de agradar nem a gregos nem a troianos, os bandos rivais que enxameiam a praça da filosofia. Nem aqueles que vêem nela um cálculo lógico e transparente como o cristal, nem os que a julgam um exercício esotérico de linguagem indecifrável, que quer sempre dizer outra coisa. Isto, todavia, não interessa a ninguém e a verdade é que os rituais, com o seu jogo de repetições, estão mesmo a retirar-se do mundo. As encomendas que fui levantar eram sapatos que comprei online. O ritual de ir a uma sapataria, com o calça e descalça, o experimenta este e o outro, o abre e fecha caixas, foi substituído pelo relação digital e anónima de espreitar num monitor e de tratar tudo sentado numa secretária. A minha comodidade é um punhal cravado na garganta de um mundo decente. Como se sabe, tenho uma certa propensão para a hipérbole, a que convirá dar o devido desconto.

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Aparência e realidade

Na demanda da caderneta militar, afinal chamada carta de identificação militar, acabei por descobrir um conjunto de velhos cartões que medeiam entre os doze e os vinte e quatro anos. Ao olhar as fotografias, não pude deixar de recorrer ao lugar-comum as aparências iludem. Entre aquilo que pareço naquelas que vão dos dezassete em diante e aquilo que era e fazia há uma tal incongruência que até eu tenho dificuldade em perceber. Talvez a vida de toda a gente não passe de um monte de desacertos e desconchavos entre o que a sua imagem diz e aquilo que se é e faz. Descoberto o documento militar, tive direito a mais duas descobertas. A primeira diz-me que ele não serve para nada. A segunda informa-me que aquilo de que preciso me vai dar um trabalho sem fim para saber aonde me devo dirigir para o obter. Portugal é um exercício difícil, um interminável quebra-cabeças feito de esquecimentos, omissões e segredos. Comecei a ler uma obra de Hermann Broch cujo título original é Die Schuldlosen. Os franceses traduziram como Les Irresponsables, os espanhóis como Los Inocentes. Os portugueses não traduziram. Optei pelo castelhano, o título francês parece-me demasiado interpretativo. A obra começa com a parábola da voz. Os discípulos do rabino Leví bar Chemjo, perguntaram-lhe, tendo em conta que nada existia que antes de ser criado por Deus, por que razão – não havendo quem O escutasse – o Senhor ergueu a voz ao começar a criação. A questão não deixa de ser astuciosa. O rabino, contrariado, respondeu: A linguagem do Senhor, gloriosa como o Seu Nome, é uma linguagem silenciosa e o Seu silêncio é a Sua linguagem. O Seu ver é cegueira e a Sua cegueira é ver. O Seu fazer é não-fazer e o Seu não-fazer é fazer. Voltai para vossas terras e meditai sobre isto. Também eu que não sou seu discípulo devo meditar por que razão a minha realidade e a minha aparência se desacertam, pois talvez a minha realidade seja apenas a minha aparência, e a minha aparência seja a minha realidade. Este calor enlouquece-me e tenho de sair para ir buscar a prescrição das análises que esqueci no consultório.

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Efeito Föhn

Hoje é o primeiro dia de oito em que as temperaturas estarão entre os 35 e os 38 graus. Há dias vi uma explicação sobre a razão de aqui estar um tempo quente e seco e do outro lado da serra ser mais fresco e húmido. A causa seria o efeito Föhn resultante da existência de uma cortina montanhosa – serras da Sintra, Lousã, Montejunto, Candeeiros e Aire – que se interpõe nos caminhos dos ventos vindos do mar, gerando o tempo típico do Oeste, de um dos lados, e a aproximação ao deserto deste lado. Como é assunto que me escapa e não tendo vocação para ser especialista em tudo, ou mesmo numa única coisa, acho a teoria esteticamente aprazível e tomo-a por verdadeira, mesmo que o não seja. Depois, sempre me permitiria escrever palavras como barlavento e sotavento, embora o não tenha feito para as poupar para um próximo texto. Setembro começa ao ataque. É um mês cruel, com instintos homicidas. Há nele um rancor que seria dispensável. Olha para nós e ri-se, enquanto arquitecta estratégias para nos submeter às suas humilhações. Reparo que tenho uma gaveta da secretária aberta e lembro-me que deveria procurar a minha caderneta militar. É verdade, apesar de não passar de um narrador sem narrativa, também possuo o documento que comprova que servi a pátria. Foi um mau serviço, a avaliar pela fotografia que lá se encontra. Um tipo ridículo, posso assegurar, sem o garbo de cavaleiro andante ou o aspecto feroz e implacável de um soldado de elite. Se eu fosse a pátria, ter-me-ia posto do lado de fora do quartel a pontapé. A pátria, porém, foi condescendente e disse-me vem, aqui também há lugar para gente grotesca, irrisória, caricata. Não te importas de endireitar a boina ou também tu sofres do efeito Föhn? Deveria evitar o recurso à prosopopeia, mas é o que se arranja. O que eu gostaria mesmo de saber era onde meti o raio da caderneta. Deve estar na outra gaveta.

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Um Janus bifronte

Se Setembro fosse apenas a anunciação de um Outono benévolo, se não passasse de um declinar lento do Estio mergulhado na fragilidade da velhice, hoje seria um belo dia. Foi com este pensamento que me levantei e me preparei para enfrentar o inevitável, que como um Janus bifronte, se estende inexplicavelmente para o passado e para o futuro, a tudo contaminando com o ranço da necessidade. Na comunicação social, devotos de várias confissões defrontam-se sobre festividades, rituais e liturgias, como se alguma coisa de decisivo se tratasse. Há nos seres humanos uma tendência inultrapassável para a hipérbole, esquecendo que a morte a tudo acaba por tornar igual. Aquilo que inflama os corações hoje, não merecerá mais do que um encolher de ombros amanhã e, daqui a umas semanas, só será lembrado por exaltados que ainda não descobriram toda a caridade que existe num tranquilizante. Hoje espreitei as torres do castelo, depois olhei para o friso das orquídeas, já quase todas sem flor. Exceptua-se a branca que está em floração contínua há mais de ano e meio. Na avenida, passa um casal. Vão presos na indiferença que os consome, fiéis ao destino com que a vida, escrava do imperativo da multiplicação, os enganou. O sol dispara raios de aço sobre as paredes da escola aqui ao lado, elas abrem gretas e sangram lentamente, cobrindo com o véu do silêncio a dor que as dilacera.

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Um país lento

Hoje percorri parte da cidade. Havia nela uma estranha combinação de tristeza e calor, como se uma coisa e outra se intensificassem mutuamente. Nas ruas, muita gente cobria essa tristeza com máscaras, muitas delas com cores que escapavam ao padrão cirúrgico. Os corpos incapazes de ocultações passavam devagar, esmagados pela atmosfera, fechados sobre si mesmos, como se o ar envolvente fosse pestilento. Prédios em ruínas, casario que o tempo submeteu ao seu juízo impiedoso. Tudo isto gera uma cultura de nostalgias, cheia de pequenos mitos, tentativas frustes de reencantar aquilo que só foi encantado pela inocência do olhar infantil ou pela ingenuidade dos primeiros amores. Chegado a casa, pensei que deveria evitar estas deambulações. Ir aonde tenho de ir, olhar o menos possível para a realidade e voltar pelo mais curto caminho que houver. Agosto encerra hoje a sua actividade. Está cansado e deixou cair a sua fadiga sobre tudo o que existe. Não é fácil viver num país que tem quase novecentos anos, que já viu coisas demais, que se saturou de Agostos tórridos, que sabe que qualquer inflamação acabará por passar, mesmo que os anti-inflamatórios não sejam grande coisa. É um país lento. Na passada segunda-feira, fiz duas encomendas. Uma em empresa portuguesa e outra numa sediada em Espanha. A enviada pelos nossos vizinhos já a recebi há vários dias, a outra talvez seja hoje que chegue. E tudo isto me maravilha, pois há uma sabedoria que fora daqui não existe e não se percebe. Há muito, muito tempo, numa loja de ferragens de uma outra cidade de província, no início da tarde, talvez porque eu tivesse dado sinais de alguma impaciência, a pessoa que me iria atender esclareceu-me sobre a essência da pátria: não tenha pressa, que eu só saio daqui quando forem sete horas.

domingo, 30 de agosto de 2020

Uma gota no oceano

É tão breve o tempo de suspensão entre o prazer e a realidade que acabo por não saber o que fazer com este domingo. Talvez por antecipar que estão a chegar os dias do ruído, descobri um álbum do Coro da Rádio da Letónia com o magnífico título O Fruto do Silêncio. É composto por sete peças de outros tantos compositores letões. De todos apenas conhecia Pēteris Vasks, cuja peça dá título ao álbum. É uma experiência desconcertante escutar música produzida por compositores dos países bálticos. Há neles uma profundidade espiritual, de coloração religiosa, que praticamente desapareceu da música erudita ocidental. A composição de Martins Vilums denomina-se O Tempo Cintila, a de Ēriks Ešenvalds, Uma Gota no Oceano. E isto diz tudo o que, neste momento de suspensão, posso dizer de mim, miserável narrador sem narrativa. Enquanto o tempo cintila, fruto do silêncio, não passo de uma gota no oceano, ou nem isso.

sábado, 29 de agosto de 2020

Vida de provinciano

O meu idílio com a balança não apenas se mantém, como se intensifica. Hoje, primeiro dia pós-férias, confidenciou-me que eu tinha menos dois quilos do que antes de as começar. Olhei-a embevecido, jurei-lhe amor eterno, que teria sempre muito cuidado quando a pisasse. Enquanto me desfazia nesta conversa pateta, como o são todas as conversas de amor, pensava com alívio que iria evitar o olhar reprovador do médico, o qual, como todos os médicos, fazem da saúde do paciente um exercício de virtude moral, à qual, muitos deles, se julgam no dever de se furtar. Hoje a empresa de jardinagem que tem por hábito, aos sábados de manhã, vir cortar a relva nas pracetas circundantes esqueceu-se da sua cruzada contra a preguiça e a eventual lascívia matinal dos moradores. Foi, porém, substituída por um cão da vizinhança que, talvez espantado por não ouvir os corta-relvas, decidiu ladrar até me acordar. A isto se resume a vida de um provinciano, pensei. Pendências com médicos, férias acabadas, preocupações com barulhos vindos do exterior. O que me está a valer é o romance do Tomás de Noronha, passado na capital, que ainda era do Império, em ambientes sublimes, onde há condessas e marquesas. Fiquei rendido quando, ao referir-se à técnica de selecção social de uma certa marquesa, escreveu: Quem lhe orientava o protocolo era a sua filha, uma trintona nevrotica, destrambelhada, que sabia como ninguém disfarçar o estonteante desejo de se franquear sob a apparencia artificial de ser dificil. Basta o estonteante desejo de se franquear para que a leitura não seja pura perda. Se o tempo fosse feminino, pensei então e sem ligação com o que pensara antes, seria uma górgona, que avançaria com o seu olhar petrificante e a cabeça envolta em serpentes. Sendo masculino, dá-se aparências menos teatrais, e em vez de nos transformar em pedra, desfaz-nos e às nossas vis pretensões em pó. A manhã vai alta, calo-me, para que o alarme de um carro possa ecoar no fundo do meu ser.

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

A gestão do dia

O dia nasceu sombrio, e eu hesito em avaliar o fenómeno. Vestiu-se de luto pelo meu último dia de férias? Decidiu poupar-me aos transtornos físicos – e metafísicos, já agora – da canícula? Sinto no centro do peito uma estranha opressão vinda do futuro, mas entretenho-me com a gestão do dia. Um amigo enviou-me um conto publicado pela mulher, vou lê-lo. Outra pergunta-me se quero ir jantar com eles, o clã familiar. O padre Lodovico quer saber quando vou a Lisboa. Uma transportadora deixa-me à porta uma encomenda com o triciclo que comprei para o meu neto. Anoto que, quando for à capital, não posso esquecer-me de levar os hoverboards das netas. Continuo com a minha investigação sobre quem terá sido o T. Noronha que escreveu Volupia que Salva. Graças ao cruzamento dos catálogos de duas bibliotecas municipais cheguei a uma tese verosímil. Trata-se de D. Tomás de Noronha (1870-1934), autor de umas memórias com o título De capa e Batina sobre a estúrdia coimbrã do seu tempo. O fidalgo cursou letras e, depois, teologia, tendo-se formado em ambas. Para teólogo não estava mal. Consta que, juntamente com um tal Pad-Zé e um Vicente Arnoso, foi um dos grandes animadores, em Coimbra, da boémia estudantil. Também escreveu, entre outras coisas sem relevo, um livro de versos com o título Tempos Perdidos. Talvez um sinal de arrependimento. Acabados os cursos foi para o Oriente, para exercer como professor de inglês e alemão no Liceu Nova Goa. A fidalguia já andava, naqueles tempos, pelas ruas da amargura. Na biografia que descobri – um texto hagiográfico da personagem – não consta a referência ao romance que narra os amores de Octavia e Valeria, mas verifiquei que é publicado pela mesma editora – a J. Rodrigues & Cª, sediada no 186 da Rua do Ouro, em Lisboa – que dá à estampa, como se dizia, as tais memórias de estudante. Posso ainda informar que em 1906, ao voltar das Índias, foi recebido e louvado pelo rei D. Carlos e pela rainha D. Amélia, devido a uma iniciativa sobre a Assistência Escolar aos indígenas (a palavra não é minha). Uma coisa é certa, contínuo a ser um repositório de informações inúteis, mas a verdade é que, com a idade, a fronteira entre o útil e o inútil se diluiu. Vou fechar as persianas que o sol voltou a ameaçar.

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

A volúpia das coincidências

Um aviso ao eventual leitor: estou sem assunto. Como não sofro da angústia da página em branco, talvez escreva sobre o magno problema das coincidências. Entre uma pilha de livros comprados, há uns anos, em segunda mão, ou terceira, sabe-se lá, encontro um romance com o título Volupia que Salva, obra de um tal T. Noronha. Quem é o autor ou por que razão possuo o romance não faço qualquer ideia. O livro chegou-me encadernado, em bom estado para a idade avançada. Folheio-o e deparo-me logo à entrada com duas citações de Safo e uma de Anacreonte. Leio as primeiras páginas e fico a saber que a Octavia Rodrigues Saavedra e a Valeria Prado têm um caso. Vejo que o livro tem quase cem anos e tento descobrir quem é o autor. Com esforço sou informado que o T. significa Tomás, portanto Tomás Noronha. Faço uma pesquisa por este nome e descubro que um conhecido locutor de televisão e escritor afamado tem como herói das aventuras com que ilumina o universo um Tomás Noronha. Bem, não será esse. Uma outra pesquisa diz-me que no século XVII houve um escritor, fiel escudeiro de D. Sebastião, com esse nome. Tanta fidelidade a D. Sebastião não lhe permitiria por certo tratar do affaire – estou mesmo velho – da Octavia e da Valeria, ainda por cima mulheres modernas. Coincidências, penso, mas quem no início do segundo quartel do século XX teria a ousadia de escrever um romance sobre os delíquios amorosos da Octavia e da Valeria? O que é espantoso, por falar em coincidências, é a seguinte informação, inscrita na última página impressa, que nos diz: Este livro acabou de se imprimir no dia 28 de Maio de 1926. No dia em que Portugal entrava naquele período em que qualquer volúpia, fosse de que cor fosse, deveria ser banida, e caso tivesse mesmo que ser, então que passasse à clandestinidade ou se desse no recôndito do leito matrimonial, com as excepções que todos sabemos, publicava-se um romance que proclamava a volúpia como salvação, talvez da alma, mas não posso assegurar. Independentemente de todas estas dramáticas coincidências, há uma coisa que me agrada em Tomás Noronha. Escreve crystal, condessa de Nellas, d’uma, etc. Portanto, um autêntico insurgente contra a pouco voluptuosa simplificação ortográfica de 1911. Um monárquico libertino.

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

A bailarina alemã

Depois da minha tarefa matinal de abrir e fechar persianas para conter os raios enviados pelos cacarejos do Sol, um exercício militar que executo com afinco, a primeira coisa com que me deparei, ao sentar-me à secretária e dar um giro pelos sites abertos no browser, foi com uma fotografia de uma bailarina alemã. Segundo a investigação que fiz, ela teria, no momento em que foi fotografada, no ano de 1910, dezoito anos. Tinha uma daquelas belezas que deixam o espírito perplexo e tomado por uma profunda dúvida. É um ser enviado do céu ou uma agente dos poderes infernais? Só uma mente ingénua – e ser ingénuo depois dos quarenta não é ingenuidade, mas burrice, como não se cansava de repetir há muitos anos uma amiga – poderia conceber a tortuosa ideia de que o belo e o bem são a mesma coisa. Independentemente daquela bailarina ter descido do céu para nossa salvação ou subido do inferno para a nossa perdição, a verdade é que uma beleza como a dela não merece o castigo que o passar dos anos impõe. Quando uma mulher é bela, a sua beleza, no momento em que atinge o zénite, deveria ser preservada dos efeitos do tempo, mesmo que vivesse cem anos. Chegada a hora da morte, seria arrebatada da vida ainda esplendorosa. Entre os vários homúnculos que habitam na caverna da minha consciência, há um com propensões igualitárias que, mal formulei o meu pensamento sobre o destino das mulheres belas, começa uma cantilena onde me acusa de injustiça, de ser um agente da discriminação, um racista estético. E por que razão os homens ou as outras mulheres, as que não receberam a graça da tua bailarinazinha, não deveriam ter a mesma sorte, interrogou-me. Não são todos iguais perante a lei ou, se quiseres, não são todos filhos de Deus, continuou ele. Respondi-lhe que não me interessava discutir as consequências da revolução francesa nem enredar-me em estéreis discussões teológicas. Que fosse para o fundo da caverna e se mantivesse invisível e inaudível. E, para o calar de vez, acrescentei que a verdadeira justiça é tratar como excepção aquilo que é excepcional. Ele lá se recolheu a murmurar slogans igualitários, enquanto eu dava uma última vista de olhos pela bailarina alemã e passava para o site da meteorologia.

terça-feira, 25 de agosto de 2020

Redução vocabular


São poucos os dias que Agosto ainda tem, antes que a sua folha morta caia da árvore do calendário. Por vezes, a retórica que uso dá-me vómitos. Dedilho-os, aos dias, como se não soubera contar e franzo o sobrolho. Por vezes, escrevo de noite recados para que faça alguma coisa quando a próxima manhã chegar, com a luz que for a dela. Raramente, olho para eles. Chega-me um vídeo do meu neto. Há duas palavras que ele domina na perfeição. Não e pára. Parecem-me óptimas e as mais adequadas ao tempo que vivemos. Também, caso pudesse ou tivesse coragem para tanto, resumiria o meu vocabulário ao advérbio não e ao verbo parar. A primeira utilidade seria a que deixaria de escrever estes textos, as outras, e não seriam poucas, revelar-se-iam com o tempo. Há uns anos, um amigo contou-me que uma pessoa da sua família foi encurtando, pouco-a-pouco, o vocabulário que usava, até que chegou o momento em que se recusou a pronunciar qualquer palavra. Ouvia os clientes do seu estabelecimento, mas nunca usava a voz para lhes dizer fosse o que fosse. Gestos de mãos, expressões de rosto, meneios corporais. Os clientes habituaram-se, não o abandonaram, e talvez um ou outro lhe tenha seguido o exemplo. Como dizia esse meu amigo, os bons exemplos devem frutificar. Por agora, seria menos radical, usaria ainda o advérbio não e o verbo parar. Voltar-me-ia para este Agosto prestes a render-se a Setembro e dir-lhe-ia: Não. Pára! Ele responder-me-ia na mesma moeda: Não paro. É o que faz a falta de assunto numa tarde de Agosto.

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Um sonho cinematográfico

Em 1955, o fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson visitou Portugal e fez um conjunto de fotografias que tem tido ao longo dos anos uma enorme fortuna. Hoje deparei-me com uma delas, extraordinária como as demais. Nos Jerónimos, junto a uma coluna, um confessionário minimalista, apenas um tabique de madeira, certamente com uma abertura velada por um gradeado que permitia falar e escutar e, ao mesmo tempo, manter secreta, ou quase, a identidade das confessadas. Sob essa abertura havia de ambos os lados apoios para os braços. Sentado de pernas abertas, o sacerdote, de cabelos brancos e trajado com a respectiva batina, escutava a longa confidência de uma mulher ajoelhada, vestida de preto até aos pés, véu negro sobre a cabeça. Olho a fotografia demoradamente e imagino o que poderia fazer a partir dela caso fosse realizador de cinema. Filmaria a mulher a levantar-se do confessionário, haveria por certo um zoom que permitisse apreender a elegância dela e acabasse por se centrar na beleza do rosto, acompanhá-la-ia no trajecto em direcção a um altar para cumprir a penitência, enquanto mostrava, em fundo, o sacerdote a erguer-se da cadeira e espreitar a mulher, tomado por uma curiosidade invencível. Nesse momento, ela voltava-se sorridente para ele que, ao sentir os olhos dela nos dele, estremecia e deixava aflorar um esgar de terror no rosto. A mulher que confessara, descobria então, era a sua própria morte. Portugal, naqueles tempos, era um país escuro, muito escuro, pensei, enquanto ouvia o correr da água que alguém num andar próximo deixava cair sobre umas plantas exaustas pelo calor. Uma sirene lembrou-me que deveria ir almoçar, pois o cinema não é coisa que me diga respeito.

domingo, 23 de agosto de 2020

Uma aventura ao domingo de manhã

Uma corrente de ar, uma porta que se fecha e não se abre, alguma coisa se terá desconsertado no trinco que o desligou do puxador. De súbito uma pessoa vê-se metida num sarilho. Preso num quarto, sem ninguém em casa nos próximos dias que, do outro lado da porta, a pudesse abrir ou pedir auxílio, sem telemóvel, com a vizinhança em registo de férias, sem qualquer ferramenta para enfrentar o delíquio da fechadura, sem talento para a mecânica, sem ter sequer tomado o pequeno almoço, sem poder sair por uma janela, pois não será agradável saltar de um quinto andar, e, talvez o pior, sem óculos. Foi assim que começou a meu dia. Como saí do imbróglio, ainda estou para perceber. Consegui tirar um parafuso com as mãos e depois de manipular o puxador para trás e para a frente, completamente ao acaso, ele lá se ligou ao trinco e, milagre, vejo-me fora do quarto. A realidade está cheia de surpresas, foi o que pensei quando me sentei a tomar o pequeno almoço, aliviado por estar livre, sem ter de recorrer a medidas drásticas de partir a porta ou coisa que o valha. É em momentos destes que considero que deveria ter treinado mais as minhas competências mecânicas, que são tendencialmente nulas. Lembro-me bem do martírio que foi, aquando do exame da quarta classe, ter de apresentar um trabalho manual. Era uma construção de um moinho que se tinha de recortar de uma cartolina e depois montar, fazendo dobras e colagens. Já o corte foi um suplício. Quando chegou à altura de colar, a coisa ficou negra. Colava de um lado, descolava de outro. Queixo-me à professora de que não era capaz de colar, ele pede-me para ver a cola. A cola é muito boa, diz-me, e dá-me de imediato três estalos na cara. Literalmente. O problema só podia ser meu. Era meu. Como consegui acabar aquilo não faço ideia. Deve ter sido como hoje consegui sair do quarto onde o destino me quis encerrar. Ao acaso. O que me vale é que hoje em dia as professoras já não batem nos alunos.

sábado, 22 de agosto de 2020

Inimigos de sábado

Quando acordei, eram oito horas, nem queria crer que hoje é sábado. Uma fúria sonora entrava-me pelo quarto, vinda da praceta em baixo. A empresa responsável pelos espaços públicos acha que o dia adequado para cortar relva é o sábado. Talvez as lâminas deslizem melhor, as folhas estejam mais aptas para o corte ou, uma hipótese, considere imoral as pessoas, no início do fim-de-semana, prolongarem o sono pela manhã. Não é que me levante mais tarde, mas acordar ao som da metralha dos corta-relvas não faz parte do melhor dos mundos possíveis. Levantado, comecei a barricar-me dentro de casa, fechando todas as janelas por onde outro inimigo, o sol, possa entrar. O combate com o astro, pensei enquanto descia as persianas, ainda não saiu da idade média. Há que construir muralhas e evitar que o inimigo possa passar por elas. Entretanto, o afã ruidoso suspendeu o massacre dos inocentes moradores, mas a manhã apresta-se para pôr fim à sua curta existência. Oiço vozes na rua, talvez pessoas na esplanada, enquanto me envolvo no manto sombrio da escuridão. Não tarda terei de ir à rua. Reparo que o word me assinala uma incorrecção gramatical, mas o domínio da gramática é uma competência que o word ainda está longe de ter adquirido com sucesso. Talvez um efeito da pandemia. Necessitará de aulas de recuperação, suponho.

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

De volta ao habitat natural

Retornei ao meu habitat natural. A cidade parece estar exactamente como a deixei. O calor, de momento, não será tão avassalador, os carros deslizam na Sá Carneiro como antes da pandemia e, nos passeios, os transeuntes, com ou sem máscara, procuram as sombras que as copas das árvores projectam no chão. Há em tudo isto uma reminiscência mourisca, pensei, uma espécie de pertença climática àquele mundo que se inicia no norte de África. O computador informa-me que o adobe acrobat reader foi actualizado com êxito, eu fico agradecido pela melhoria do programa, mas não consigo evitar um ataque surdo de inveja. Também eu poderia ser actualizado com êxito, mas não. Cada actualização que sofro é para pior e quanto mais êxito elas têm pior fico. O hardware está caduco, um modelo descontinuado há muito, sopra-me alguém que vive dentro de mim e que tem por hábito dar opiniões que ninguém lhe pediu. Hoje não fui à esplanada perto do mar ler o jornal, a mulher que em silêncio olhava o horizonte desapareceu para sempre, resta-me pôr a vida nos carris onde estava antes de ter saído daqui. Leio que se está perante uma aceleração do tempo histórico. Talvez esteja já em excesso de velocidade e seria justo que a História fosse multada, por não respeitar as regras de trânsito. As cevadilhas da escola ao lado continuam a florir, as acácias da praceta estão pujantes, vestidas de verde escuro, e o parque infantil permanece interdito às crianças. Tudo isto enquanto a história acelera e o meu hardware obsoleto é incapaz de receber um programa que o actualize e rejuvenesça. Hoje ainda não avistei nenhum dos anjos que moram nos telhados da rua onde entardeço.

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Uma velha pendência

Olho para as previsões meteorológicas e calculo perdas e ganhos, projecto cenários de dor e prazer, arquitecto estratégias de defesa, pois as de ataque não estão disponíveis no mercado da meteorologia. O clima tornou-se uma guerra, pensei, uma guerra em que apenas podemos implorar por abrigo. Hoje tem chovido e parece que vai continuar durante todo o dia. Isso contenta-me, sinal de que já me satisfaço com pouco. Recebi há pouco um email de Lodovico Settembrini, o padre Lodo, como todos os amigos o tratam. Disse-me estar preocupado com uma coisa que escrevi aqui sobre o príncipe Saurau. Fê-lo lembrar o Leo Naphta, e Deus me perdoe – escreveu o padre – apesar de ter, como ele, dado em jesuíta, não suporto a personagem e as suas malditas ideias, sopradas pelo demónio. Eu que me cuide, escreve, pois há muito que desconfia existir em mim uma certa inclinação para o cepticismo. É preciso ter fé, continuou, seja no for, nem precisa de ser em Deus. Eu rio-me da velha pendência dos dois padres e penso que talvez não devesse escrever isto, mas nem sempre consigo resistir às tentações. Talvez seja do meu cepticismo ou da minha falta de fé, seja no que for. Oiço os pássaros e o seu canto mistura-se com o rumor do trânsito. A vida é um exercício de paciência, penso.

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Triste sorte ser cliente

Sejam públicos ou privados, os serviços neste país conspiram contra a sanidade mental dos clientes, como se ser cliente fosse um acto execrável, uma maldade que apenas merece, como resposta, um tratamento ineficiente e, se for possível, punitivo. Foi isto o que me ocorreu depois de passar parte da manhã a tentar resolver assuntos através daquelas linhas de apoio ao cliente, um eufemismo para esconder uma má vontade acintosa e contumaz. Lembrei-me, então, de uma impressão antiga, quando ainda não havia as grandes superfícies, e era local o comércio que animava as terras. Havia comerciantes que pareciam fazer um favor muito especial em atender os clientes, vender-lhes aquilo que eles precisavam, como se a sua vida estivesse acima daquele acto miserável de trocar mercadoria por dinheiro. As razões que movem as pessoas são sempre secretas e, o mais das vezes, um enigma para os próprios. Agora que consegui resolver tudo, já não tenho como recuperar a manhã perdida, e isto é o que há de mais cruel na vida. Nada nela é recuperável. As boas horas pela sua bondade, as más para sua correcção, tudo isso deveria poder ser recuperado. Eu sei que estou a mentir. A vida seria muito pior, se se pudesse recuperar o tempo que se perdeu. Os homens estariam sempre a retroceder à infância e à adolescência para tentar consertar o que nelas sempre se desarranja, e isso seria o pior que poderia acontecer à espécie. O calor não me faz muito bem e conduz-me sempre por caminhos meditativos que não levam a lado nenhum. Sempre preferi ao jardim dos caminhos que se bifurcam, les chemins qui ne mènent nulle part. Desta preferência, porém, não há qualquer ilação a extrair, note-se. O melhor mesmo teria sido ter-me dedicado ao comércio e transformar-me num daqueles respeitabilíssimos comerciantes de vila de província que faziam o especial favor de atender os seus patéticos clientes. O problema é que nunca descobri o ramo que mais se coadunava com os meus talentos. Não por falta de ramos, claro.

terça-feira, 18 de agosto de 2020

O terrível que há no belo

Os loendros, com as suas flores rosas e brancas, estão exuberantes. Quem se deixar prender apenas pela extrema beleza que estes arbustos exibem não faz ideia de quão mortais podem ser. Talvez seja isso o que há de mais enigmático no que é belo, a sua capacidade homicida. Terá sido por isso que, na primeira elegia de Duíno, Rilke usou o adjectivo terrível para qualificar os anjos. Não todos, por certo, pois aqueles que vivem na minha rua sendo belos não o são em excesso. As pessoas pensam que são pombos, mas aqueles pombos não voam nem poisam nos telhados como pombos, mas como anjos. E se um pombo voa como um anjo, poisa como um anjo, canta como um anjo, só pode ser um anjo. Talvez estes anjos sejam também terrivelmente belos, mas disfarçam-se para esconderem essa beleza e poderem assim ser suportados pelos mortais. Hoje vi de novo a mulher que olha o horizonte. Lá estava ela na esplanada, fechada na sua dor de olhar horizontes, a beber o café, a pôr a máscara, a sair e a caminhar em direcção ao horizonte. Nas mesas ao lado, alguns casais deixavam cair para o chão a tristeza que havia dentro de cada uma daquelas mulheres. Eles liam o jornal, olhavam para o telemóvel, elas desfaziam-se num óleo desconsolado e viscoso, que alastrava como um pântano por um chão manchado de desespero e silêncio. Muitos casamentos são uma radiosa lástima, pensei.

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Atravessar o horrível

As férias não deixam de ser um tempo de encontros inusitados. Passeava eu, como um animal perdido, fora do meu habitat natural, quando oiço uma voz a chamar-me e a perguntar-me se não me lembrava dela. Claro que lembro, como poderia esquecer, retorqui. Não nos vemos desde quando, perguntou. Não sei, há mais de trinta e cinco anos, por certo. Perguntei-lhe o que lhe acontecera. Quando acabámos a faculdade, saí para o estrangeiro e instalei-me por lá. Um exílio, disse eu. Não propriamente. Tornei-me pintora e esqueci o que aprendera naqueles anos, disse e riu-se. Confessei que não sabia. Contou-me o acidente, como lhe chama, disse-me as colecções onde estava representada, mostrou-me fotos de quadros seus. Como sabes, disse-me, a beleza e a harmonia pouco interesse têm. Ou talvez não seja assim, disse. A arte, o artista tem de rasgar o véu ilusório que os olhos apreendem como beleza e mergulhar no horrível. O horrível é uma camada da realidade muito densa e funda, diz-me ela enquanto acende um cigarro, mas não posso evitá-la. Não pinto para decorar salas, pinto à procura da verdade, os olhos brilham-lhe. Não digo que os meus quadros sejam a verdade, são apenas ensaios em busca da verdade. É preciso descer mais fundo, atravessar a camada horrível e tentar chegar ao outro lado. E o que esperas encontrar, perguntei. Não sei, sou apenas pintora, a filosofia não me interessa. Talvez encontre a beleza, a verdadeira beleza, mas não sei sequer se existe uma beleza verdadeira e outra falsa, talvez só exista o que está aquém do horrível. Fiquei a pensar no tempo em que nos demos e naquilo que o tempo lhe tinha feito, mas não tocámos nessas memórias. Falámos de famílias, de exposições, comparámos países e oportunidades e combinámos um novo encontro, que ambos sabemos que nunca irá acontecer. Agosto começa a escorregar pela folha do calendário. Vejo nuvens no céu e dois cães ladram quando passo por eles, como se eu fosse o horrível que eles têm de atravessar.

domingo, 16 de agosto de 2020

Um sapo perturbado

É nos dias de Agosto que mais vezes frequento cafés ou esplanadas. Imagino que seja uma forma de me alienar e de esquecer toda a ambiguidade que se oculta no coração deste mês, o mais cruel dos meses, ao contrário do que pensava Eliot, que via essa crueldade excessiva e inultrapassável em Abril. Nesses espaços públicos que frequento para fugir à maldade de Agosto, ponho-me a observar a humanidade que se expõe diante dos meus olhos. É então que recordo o príncipe Saurau e digo para mim que não há, em toda a literatura ocidental, personagem que melhor retrate a nossa humanidade que o príncipe. Pobre e ricos, famosos e ignorados, corajosos e cobardes, inteligentes e estúpidos, nómadas e sedentários, qualquer que seja a categoria em que se acolha um ser humano, ele não deixa de ser uma emanação do príncipe Saurau, uma exalação lamentável da sua perturbante perturbação. Há qualquer coisa de errado em todos nós, em mim como em todos os outros, um erro que se foi acumulando ao longo dos séculos. Pensei isto quando estava na esplanada e não me apetecia ler o jornal. Thomas Bernhard, o criador do príncipe Saurau, é um dos maiores escritores do século XX, leio num artigo americano, mas o autor sublinha que nunca será muito lido no mundo anglo-saxónico, habituado a uma literatura fundada numa intriga claramente desenhada. Em Bernhard não existe nada disso, apenas a perturbação da nossa espécie exposta de forma cruel, de uma forma encantatória. O monólogo do príncipe, no romance Perturbação, ocupa talvez umas cem páginas, que começando a ser lidas ou rapidamente se põem de lado, ou se fica preso nelas e se percebe, então, que Saurau é mais que uma personagem, é um arquétipo do homem perturbado que se manifesta em cada um. Tanto nos que são alienados, como naqueles que são conscientes e cheios de causas, estes são ainda piores que os outros, porque ter uma causa é fingir que não se é uma emanação de Saurau, mas talvez seja a pior das emanações. Não devia escrever estas coisas. As pessoas não gostam que se digam coisas como estas, pois esperam metáforas para pôr na jarra ou uma causa que lhes realce a moralidade e as faça esquecer que vão morrer. Só não digo que a única emanação de Saurau sou eu, porque ainda haveriam de pensar que me acharia um príncipe, enquanto eu penso que não passo de um sapo perturbado, uma cópia degradada da degradação de Saurau. Pelo menos foi isso que, à socapa, ouvi dizer, quando o autor destas palavras falava de mim, o seu narrador, com os seus amigos mais próximos.