O mês, refiro-me a Novembro, começou mal-encarado, mas hoje mudou de disposição e tem estado um magnífico dia de Outono. Já não me recordava da história, mas um acaso levou-me a ela. Em Jena, Hegel teve um caso com uma jovem mulher casada. Desse acidente nasceu um rapaz que foi baptizado como Ludwig Hegel. Entretanto, o filósofo foi para Bamberg, não sem antes prometer à mãe do filho, que, entretanto, enviuvara, casamento. Os deuses não estiveram pelos ajustes e fizeram-no encontrar Marie von Tucher. Caiu em estado de adoração por mais esta manifestação do espírito absoluto e esqueceu a promessa a Christiane Charlotte Burkhardt, nascida Fischer. Imagino que na mãe do seu primeiro filho o espírito absoluto se manifestasse com menos vigor. São coisas que acontecem. Quanto a Ludwig, nem tudo correu pelo melhor: a mulher do pai detestava-o. Para piorar a situação, a criança queria ser médica, mas o pai desviou-a para o comércio. Uma decisão fatídica. Hegel encontrou uma ocupação para o filho ilegítimo como oficial na Companhia Holandesa das Índias Orientais. O pobre rapaz terá morrido, em Jacarta, Batávia, na altura, de uma infecção nas vias respiratórias. Em compensação, o pai morrerá três meses depois. Estas informações encontrei-as em Alexander Kluge. Não é claro que Ludwig possa ter tido prazer em reencontrar o pai no outro mundo. Afinal, não lhe faltavam razões para estar decepcionado com o grande filósofo. E, por certo, não seria por motivos filosóficos, nem por disputas sobre a Fenomenologia do Espírito ou a Ciência da Lógica. Também é possível que o pai nem tenha dado pelo filho. Teria o espírito ainda ocupado com a dialéctica e tentava, talvez com um certo desespero, verificar se a negação da negação funcionava naquele mundo onde os espíritos se passeiam sem o revestimento do corpo. Conta-se a anedota de que ao morrer Hegel terá dito Só um homem conseguiu entender-me… e esse não me entendeu bem. Aliás, esta incompreensibilidade hegeliana era partilhada pelo próprio Hegel, que, segundo outra história, terá dito numa aula, talvez ao ser incomodado por um pedido de esclarecimento de um aluno, depois de eu ter dito o que disse, só Deus sabe aquilo que eu disse. Esta anedota, porém, nunca me convenceu. Imagino que o próprio Deus não sabe ou soube alguma vez aquilo que Hegel disse.
sábado, 2 de novembro de 2024
sexta-feira, 1 de novembro de 2024
Broas dos Santos
Mais do que a totalidade dos santos, o que aqui se comemora no dia de hoje é as broas dos Santos. As famílias faziam as suas, numa produção privada. Hoje, porém, as coisas ficaram entregues ao comércio e a uma pequena indústria caseira. O resultado, deve-se reconhecer, é bastante bom. O facto de haver um mercado e de os fazedores de broas estarem em concorrência levou a um certo esmero na produção dos diversos espécimes. Já experimentei uma de café e outra de mel e nozes, compradas na frutaria aqui ao lado. E experimentar foi mesmo experimentar e não deixar-me arrastar pela tentação que representam para mim. Comi metade de cada uma. Esta frugalidade, tão em desacordo com o que acontecia outrora, mas num outrora cada vez mais longínquo, é o sinal dos anos. De um grande prazer, fica o pequeno consolo da sóbria experimentação. Contava ir para Lisboa. De manhã, ia ver o meu neto na sua aprendizagem de raguebista e almoçar em família alargada. A realidade, porém, não esteve de acordo, e tive de ficar por aqui, num dia cinzento, onde a melancolia se desprende das árvores e desliza, sorrateira, entre casas. Oiço a música de Carlo Gesualdo, o príncipe de Venosa. E tudo parece conjugar-se num espírito crepuscular. O melhor será levantar-me e assaltar as broas. Afinal, os Santos são hoje.
quinta-feira, 31 de outubro de 2024
O sentido
quarta-feira, 30 de outubro de 2024
Vulnerabilidade
Hoje já apanhei um susto. O que causou o susto, felizmente, mostrou-se menos causa de susto do que se chegou a supor. Ora, passado o susto, ficou o espaço para olhar para os efeitos do susto sobre mim. Descobri que o acumular dos anos não nos fortalece a invulnerabilidade. A imaginação, com as suas suspeitas, torna-se mais poderosa, quase maléfica. É nisto que tenho pensado nesta tarde que se tornou negra como a noite. Vejo que deveria estar a cair chuva forte, mas, se chove, é coisa fraca. Alegra-me o vídeo que, entretanto, recebi. O meu neto, nos seus quase seis anos, a marcar um ensaio num jogo de râguebi dos minis. E isto é o outro lado da vulnerabilidade, esta alegria por um pequeno feito do neto, que, na verdade, é apenas uma brincadeira de criança. Aliás, a experiência do aumento da vulnerabilidade está muito ligada à experiência de se ser avô. O que se passa com os netos afecta de uma maneira que não estava à espera. E, estou desconfiado, que a afecção não nasce da fragilidade deles, mas da minha, o que não é coisa fácil de aceitar.
terça-feira, 29 de outubro de 2024
Uma súbita metamorfose
Acabei de ler, no número de Outono de 2024 da revista Electra, um artigo do matemático Umberto Bartocci. Não trata de problemas matemáticos relevantes ou mesmo irrelevantes. O problema deste universitário reformado é o desaparecimento de um jovem físico siciliano, tinha 31 anos, em 1938. Discípulo de Enrico Fermi, Ettore Majorana era uma jovem estrela em ascensão no céu da física. De um dia para o outro eclipsou-se e, até hoje, não se faz a mínima ideia do que aconteceu. Imagine-se o conjunto de teorias que a evaporação do jovem prodígio terá originado. Leonardo Sciascia, um dos grandes escritores italianos, dedicou-lhe um romance, La Scomparsa di Majorana, não traduzido em Portugal, e as especulações e efabulações sobre o que lhe terá acontecido são imensas, segundo o texto de Umberto Bartocci. O próprio matemático, talvez cansado da Matemática, não se poupou e apresenta uma tese, também ela romanesca. Envolvimentos amorosos com mulheres casadas, filhas que terão passado a vida a chamar literalmente pai a outro, conflitos familiares, a começar, como não podia deixar de ser, com a mãe, tudo numa família siciliana. Isto apesar de ele ser tímido no contacto com as mulheres. De efectivo fica-se a saber que Majorana era um grande físico, nomeado aos 31 anos para cátedra de Física Teórica na Universidade Real de Nápoles e que desapareceu poucos meses depois da nomeação. Também se sabe que se filiou cedo, e por convicção, nas juventudes do partido nacional fascista. Bartocci termina o artigo dando a entender que talvez saiba mais do que diz e que, eventualmente, saberá o que terá acontecido ao discípulo de Fermi. O melhor seria que Bartocci escrevesse dois romances. Um sobre o desaparecimento e as razões que assistiram ao desaparecido e outro sobre a sua segunda vida, talvez, imagino eu, com outro nome. Ter-se-á perdido um grande físico, mas, devido a uma súbita metamorfose, descobriu-se uma bela personagem romanesca.
segunda-feira, 28 de outubro de 2024
Contribuição decisiva
Chegou a altura de nos lamentarmos por anoitecer tão cedo. A mudança da hora terá por finalidade, duas vezes por ano, gerar uma certa perturbação no ritmo de vida das pessoas. Haverá ainda uma outra finalidade, mas que está em vias de se tornar destituída de sentido. A de acertar o relógio pelo novo horário. Ora, nos tempos que correm, consulta-se as horas em muitos dispositivos digitais, os quais nos roubam o prazer do acerto, tomando-o eles próprios para si. É certo que existem ainda muitos dispositivos, entre eles relógios, que não fazem alterações horárias automáticas, mas lá chegaremos. Resta o prazer de perturbar a vida das pessoas. Diria que essa é uma das prerrogativas dos poderes deste mundo e, apesar da sensatez que seria evitar essas perturbações, aqueles que têm o poder de determinar a hora oficial não evitam a perturbação, pois se o fizessem seriam despojados de um poder, coisa que os perturbaria a eles. Entre a perturbação dos muitos que têm de seguir a hora oficial e a perturbações dos poucos que têm o poder de a determinar, estes últimos agem do modo mais racional possível. Defendem os seus interesses e evitam a sua perturbação por não poderem perturbar os outros. Esta é a explicação mais plausível jamais dada para justificar aquilo que não tem justificação, andar a mexer nos ponteiros dos relógios, ora adiantando, ora atrasando. Fico-me por aqui. Hoje já contribuí para decifração de um dos mistérios que atormentam o mundo.
domingo, 27 de outubro de 2024
Infelicidade e esquecimento
sábado, 26 de outubro de 2024
Degradação
Talvez não devesse mobilizar, nestes textos, referências. A erudição é uma doença e, neste caso, uma aparência de erudição não é uma aparência de uma doença, mas uma doença mais radical e deplorável. Contudo, nem sempre posso evitar o jogo das referências, tal como acontece hoje. No capítulo cinco, “The Degradation of Sport”, de The Cultura of Narcissism – American Life in An Age of Diminishing Expectations, Christopher Lasch defende que aquilo que corrompe uma performance desportiva, tal como degrada um ritual ou um drama, é a sua transformação em espectáculo. É nesta transformação em espectáculo que as actividades humanas se degradam. A seriedade que as habitou perde-se quando se transformam em entretenimento, uma forma de matar o tempo, de lidar com o tédio existencial. Não foi apenas o desporto, o ritual religioso (imagine-se uma procissão em Espanha) ou o teatro que transformaram em espectáculo para entretenimento. A própria acção política, na sequência da degradação do ritual religioso, tornou-se um espectáculo e degradou-se em entretenimento. O sério e o decisivo da existência tornaram-se um logro, um divertissement. É com esta palavra que Pascal, no início da modernidade, trata dessa fuga que impede o indivíduo de se confrontar com o enigma da existência. O desporto moderno, com as suas paixões, é um símbolo de uma existência impotente de enfrentar o mistério colocado pelo facto de se existir. É um símbolo totalizante, pois ele simboliza a degradação de toda e qualquer actividade humana, desde o ritual religioso até à práxis política.
sexta-feira, 25 de outubro de 2024
Mais lento
A certa altura, a autora escreve: Desde que os meus movimentos se tornaram mais lentos, a floresta à minha volta ganhou, pela primeira vez, vida. Este elogio da lentidão está em conflito aberto com as exigências das sociedades modernas. Estas são uma revolta contra o prazer de saborear, pois saborear exige que se evite a pressa. Cada vez mais rápido é o lema em que se funda a modernidade. A pressa impede-nos de usar os sentidos na sua plenitude e essa alienação sensorial torna-nos cegos. A floresta de que fala a autora da frase citada, a austríaca Marlen Haushofer, é no romance, A Parede, uma floresta real, tanto quanto uma floresta ficcional pode ser real, mas também é uma metáfora para a existência. A velocidade torna-nos incapazes de saborear a existência, de perceber como ela é viva. É um facto que a narradora e protagonista do romance só chegou a essa hora em que os movimentos se tornam mais lentos depois de um acontecimento decisivo, mas sobre ele não falo. Quem o quiser descobrir que leia A Parede, um grande romance, e a sua grandeza não reside no número de páginas, mas na própria natureza da obra. Em vez de perorar sobre a aproximação do fim-de-semana, vou ler, sem pressa, as páginas finais de A Parede. Também eu cheguei a uma altura em que os movimentos se tornaram mais lentos.
quinta-feira, 24 de outubro de 2024
Classificações
Olhei lá para fora e pensei que era sexta-feira. Uma ilusão de óptica. Apesar de a tarde de hoje se parecer com uma tarde de sexta-feira, ainda estamos na quinta-feira. A mente humana tem uma curiosa propensão para fazer classificações e, depois, integrar os fenómenos nessas categorias. Ora, essas categorias são arbitrárias e a inclusão nelas daquilo que acontece ainda é mais arbitrário. Contudo, é essa arbitrariedade que nos permite viver. Torna-se num hábito social ou psicológico, torna-se numa tradição ou num ritual declinado pelo indivíduo. Veja-se o caso de a classificação da tarde de hoje no grupo das tardes de sexta-feira ser completamente errada, ainda assim teve utilidade, pois confrontou-me com o facto de que nem tudo o que parece é, e, sendo assim, estas classificações estão abertas ao erro e não devem ser tomadas como dogmas, mas meras indicações para navegar no mar da existência. Ensina ainda outra coisa. Que há tardes de quinta-feira que se parecem com as de sexta-feira. O dia continua a aproximar-se da hora crepuscular, mas ainda há crianças no parque infantil, perfurando o ar com a verruma das sua vozes e o estile dos seus gritos. Não querem saber qual a tonalidade da tarde que vivem, apenas querem vivê-la na plenitude que toda a inocência implica. As vozes calaram-se, mas o ranger das roldanas das cadeiras de baloiço ocupou o palco. Não há pássaros no horizonte e isso é tudo o que me ocorre.
quarta-feira, 23 de outubro de 2024
Fado
Sou especialista em esperas num consultório médico. Uma coisa deplorável. Hoje, porém, aprendi a mitigar a avaliação dessas esperas. Uma ida às Finanças foi uma lição exemplar. Três horas e meia depois de chegar, fui atendido. O funcionário foi gentil, mas não tratei de nada, pois faltou um papel do banco, banco esse que através de um funcionário disse não ser necessário. O facto de ter sido atendido e a explicação que recebi de como podia tratar do assunto online amenizaram-me a indisposição. Falta, porém, ir ao banco e conseguir o papel que as finanças pretendem, coisa que não me parece que seja fácil e que me fique barata, segundo percebi da conversa de hoje. Antes de mim estava uma pessoa que foi toda a vida emigrante na Suíça e não percebia como é que estas coisas eram assim por cá. Como para tudo, também para isto tenho uma tese. É uma questão genética. Os portugueses, entre os quais me incluo, apesar de nem sempre passar por tal, têm um gene especial. Esse gene tem por função tornar complicado tudo o que é simples. Mal o português vê um processo simples, logo trata de o tornar complexo. Esse gene está intimamente conectado com os genes que suportam a inteligência, pois, apesar da decisão de tornar complexo o que é simples ser eminentemente estúpida, o português consegue encontrar uma teia de explicações que justificam a complexificação. O normal é a inteligência suportar acções e decisões inteligentes. Não é o caso em Portugal. O nosso gene da inteligência tem por função fundamentar decisões estúpidas. O mais interessante de tudo isto é que nós nem somos culpados. Que culpa pode haver em alguém que não fabricou os seus próprios genes, mas os recebeu? Nenhuma. É a isto que se chama fado
terça-feira, 22 de outubro de 2024
Instabilidades
Como ontem, o dia de hoje tem uma luz vibrante. O céu, de um azul-pálido, é sulcado por pequenas nuvens de uma cinza esbranquiçada. Formam uma frota dispersa, em fuga, depois de uma derrota em alto-mar. Quase se ouvem os gemidos dos marinheiros moribundos, mas será apenas a imaginação de um narrador sem ocupação. Talvez o bom tempo tenha vindo para ficar. Se assim for, chegará a hora em que se ouvirão lamentos pela falta de água, pelas terras secas, pelas culturas perdidas. Nenhuma novidade. A questão da novidade é interessante, talvez mais do que se pensa. Se pensarmos que tudo o que acontece é único e irrepetível, que nenhum momento é idêntico a outro, chegaremos, de imediato, à conclusão de que tudo o que acontece é novidade. Ora, a ideia que transportamos de novidade está fundada na oposição entre o velho e o novo. Ora, se tudo é constantemente novo, então não há lugar para o jogo de oposição entre velho e novo e, como corolário, não há qualquer novidade. Os móveis velhos daquela sala são, na verdade, continuamente novos, pois a cada instante que passa eles tornam-se outros, numa alteração contínua e sem fim. Eu, narrador deste instante, não sou o narrador que começou o texto, pois a escrita de cada letra me fez ser outro, por muito que eu afirme que sou o mesmo, que sou o velho narrador de há pouco ou de há dez anos. O problema é que não sabemos como lidar com o fluxo da diferenciação e consideramos como iguais coisas – isto é, tudo o que existe – que, constantemente, se tornam diferentes. Confundimos a nossa necessidade psicológica de estabilidade das referências com o facto de as coisas serem estáveis. Não são. Nós também não.
segunda-feira, 21 de outubro de 2024
Um delírio palavroso
Os textos escritos neste blogue, durante o ano de 2024, enchem, com o de hoje, cento e trinta cinco páginas A4, com um espaçamento de 1,15 entre linhas. São mais de 82 mil palavras. Todas esta informações são-me dadas pelo processador de texto. Fico siderado pela capacidade de encher tantas páginas sem que tenha uma finalidade para o fazer, nem lhe encontre um sentido que justifique tão expansivo delírio palavroso. Contudo, as adversativas são coisas extraordinárias, há uma analogia com a vida. Também ela, por muito que isso nos desgoste, se desenrola sem finalidade e sem que um sentido se perceba no acontecimento de haver matéria viva num universo de matéria morta. Os textos que escrevo são como a vida. Acontecem como ela. Que relação há entre eles e a matéria morta da minha mente? A mesma que entre a matéria viva e a matéria sem vida do universo. As segundas-feiras são difíceis para este narrador. Nunca encontra objecto de narração e agarra na primeira coisa que saltita diante dos seus olhos. Podia ser a sombra que se estende a esta hora pela cidade e pelos campos. Podia ser o leve ondular das folhas das acácias. Podia ser aquele cão que arrasta uma dona que não larga o telemóvel, enquanto o animal está desejoso de conversar com ela. Podia ser outra coisa qualquer, mas foram as centro e trinta e cinco páginas de coisas inúteis. Agora, porém, vou dedicar-me à utilidade e não é tratar do jardim, que, aliás, não tenho.
domingo, 20 de outubro de 2024
Caprichos
Exercícios de cegueira. Ontem e hoje procurei um livro para emprestar a um dos filhos. Nada. Percorri estantes e pilhas. Zero absoluto. Olhei para aquela pilha, em que tinha quase a certeza de que era aí que ele devia estar, mais de uma dúzia de vezes. Percorri-a com dedo, livro a livro. Nada de encontrar o malfadado romance. Agora, mesmo no minuto do destinatário, no caso uma destinatária, se ir para Lisboa, olho para a pilha e lá estava ele, bem visível. Há várias possibilidades. Uma delas é que o livro não queria ser emprestado e se escondia. Outra, talvez mais plausível, é que o livro saiu na sexta-feira à noite e só regressou hoje, durante o almoço, quando todos estavam distraídos. Também é possível que o meu inconsciente não quisesse emprestar o livro, mas por muito que me esforce não encontro razão para isso. Pelo contrário. Resta o mistério da cegueira daquele que procura e não encontra. Aliás, não fui o único procurador e não fui o único a deter-me naquela pilha. O livro não estava lá. Nem ontem nem hoje de manhã. Ou então havia uma cegueta generalizada aqui em casa. Generalizada e especializada. Cegos apenas para aquele objecto. Talvez fosse boa ideia comprar mais umas estantes, foi a conclusão unânime, embora eu tivesse pensado que, mesmo arrumado, segundo o critério por aqui usado, não seria visível a não ser na hora que ele decidisse que, afinal, não se importava de viajar até Lisboa. As coisas, tal como os seres humanos, são caprichosas e volúveis.
sábado, 19 de outubro de 2024
Auxiliares de leitura
Experiências. Pega-se num romance, por exemplo, Os Maias, e coloca-se no ChatGPT. A partir daí pode-se pedir uma série infinita de tarefas. Uma experiência curiosa é de pedir que interprete a obra à luz de uma certa teoria literária ou de uma teoria psicanalítica. Pode-se pedir uma interpretação à luz do pensamento de um filósofo, de um antropólogo, etc. O que acontece não é desprezível. O chatbot selecciona um conjunto de conceitos e de teorias proveniente do autor ou da teoria referida no prompt e aplica-os à obra, oferecendo uma leitura baseada naquela perspectiva. Pode-se, então, coleccionar múltiplas leituras psicanalíticas, filosóficas, literárias, religiosas, enfim, do que se quiser. A obra é como a partitura de uma sinfonia ou de um concerto. Depois, os diversos maestros vão-na interpretando conforme a sua visão musical. Ora, esta proliferação, ao infinito, de possibilidades tem alguma utilidade para o leitor? Desde que ele não substitua a leitura da obra pela leitura dos textos gerados pelos algoritmos, o processo pode ser enriquecedor da leitura. O horizonte do leitor alarga-se e a sua capacidade de acolher a obra torna-se mais ampla e mais esclarecida. Um romance, como qualquer obra de arte, é um objecto simbólico. Ora os símbolos suscitam múltiplas interpretações, as quais nunca esgotam o sentido com que esse símbolo está sobrecarregado. Aquilo que estes chatbots nos oferecem é a possibilidade de ter outros pontos de vista que permitam enriquecer a nossa leitura da obra. Em si mesmas, aquelas interpretações valem pouco ou nada, pois não são interpretações, mas podem ajudar os seres humanos a serem melhores leitores. E isso não é pouco. A inteligência artificial não substitui os seres humanos. Só eles podem interpretar Os Maias, mas os algoritmos têm capacidade de associar frases com sentido que os seres humanos compreendem, apesar de o chatbot gerador não compreender o que fez. E isto não deixa de ter significado, pois podemos alargar a nossa compreensão a partir de algo que resulta de um ser que não compreende, não interpreta, não sabe, pois manipular informação, ainda que com acerto, não é compreender, nem interpretar, nem saber.
sexta-feira, 18 de outubro de 2024
Pluralismo sensorial
quinta-feira, 17 de outubro de 2024
Uma questão de coragem
Em 1984, o filósofo político francês Julien Freund publicou uma obra com o expressivo título La Décadence. Quando trata da atmosfera de decadência nas literaturas contemporâneos (é necessário não esquecer que o livro foi publicado há 40 anos), escreve: O que me parece digno de relevo é que o artista e o escritor têm muitas vezes, devido à sua sensibilidade específica, uma intuição premonitória das ameaças que podem pesar sobre nós no futuro, ou, antes, tornam-nos sensíveis a fenómenos que por diversas razões evitamos aprofundar e dos quais não queremos tomar uma consciência demasiado precisa. Imagino que a grande arte e a grande literatura o sejam porque lidam com esse perigo ainda escondido. O que está em jogo não é uma questão de profecia, mas de coragem. O artista e o escritor não são profetas, nada lhes foi revelado para ser transmitido aos homens. Eles acedem às mesmas informações e intuições que estão disponíveis para todos. Mas, como Freund salienta, o homem comum evita confrontar-se com o conteúdo dessas informações e intuições. O artista e o escritor olham-nas de frente e é esse olhar frontal que se transforma em obra que parece premonitória. Não é o confronto com o desconhecido que torna grande uma obra, mas é a coragem de encarar aquilo que todos podem ver, mas de que ninguém quer tomar consciência. Precisamos de cuidar dos nossos negócios e o melhor é tomar por divisa um dia de cada vez.
quarta-feira, 16 de outubro de 2024
Um intervalo
terça-feira, 15 de outubro de 2024
Pequenas teorias
A certa altura, num dos seus ensaios, Robert Musil escreve: E, agora, exponhamos uma pequena teoria. Não interessa a teoria que Musil expõe, mas o facto de ser pequena. Por uma questão de elegância todas as grandes teorias, na sua capacidade explicativa, devem ser pequenas, na dimensão. Isto não significa que todas as pequenas teorias sejam grandes explicações. Por aqui, serve de exemplo, não faltam pequenas teorias, mas não ajudam a compreender seja o que for. Nelas não se dão grandes explicações. Para ser mais exacto, não se dá qualquer explicação. As pequenas teorias que aqui são semeadas são exercícios contemplativos, mas sem objecto de contemplação. Valem pela sua enunciação e, na verdade, não possuem qualquer sentido. Têm uma sintaxe, mas não uma semântica. E tudo isto que se disse acerca das pequenas teorias que, por vezes, este narrador propõe é também uma pequena teoria. Seja como for, vale mais meditar sobre isto do que sobre os documentos que preciso de levar às finanças – julgo que agora se chama autoridade tributária – ou como fotografar o número de série da caldeira aqui de casa. Pequenas tarefas, para as quais não possuo nem pequena nem grande teoria. Chove e há beleza nessa ocorrência, o mundo torna-se mais real e a vida mais grave. O mau tempo infunde gravitas na existência. Também isto é uma pequena teoria.
segunda-feira, 14 de outubro de 2024
Devaneio
domingo, 13 de outubro de 2024
Cultivo da indigência
Escrevi um texto para outro sítio que não este e que não vem ao caso. Depois de o escrever, decidi perguntar ao ChatGPT a sua opinião, uma espécie de avaliação. Deu-me uma série de conselhos, pertinentes, reconheço, mas não segui nenhum. Um desses conselhos era sobre um certo acontecimento. Ora, o que diz o ChatGPT? Diz que a explicação é interessante, mas está numa única frase longa e cheia de detalhes. Dividir essa informação em várias sentenças pode torná-la mais digerível. Eis um conselho sensato, na linha de outros que me deu, mas que revela um problema. E esse problema está no lado do leitor e não daquele que escreve. O leitor deixou de suportar frases longas, compostas por múltiplas orações. Não se pense que isso nasceu da influência das redes sociais. O Twitter não tem culpas no assunto, pois o problema é muito anterior. Vem da imprensa. As frases devem ser curtas, para prender o leitor. Talvez em tempos recuados tivesse existido alguém que sonhasse em ter leitores educados que apreciariam a complexidade textual, leitores que teriam prazer em seguir um complexo fio de ariadne que os traria à liberdade da compreensão, pois a compreensão é uma das modalidades da libertação, nem que seja da ignorância. Ora, o que triunfou foi a rapidez comunicacional, a busca por uma suposta transparência que permita tornar os textos digeríveis. O Twitter é o herdeiro, em modo hiperbólico, dessa tradição jornalística. Ora o ChatGPT foi educado – digo-o, literalmente – nessa preocupação com o leitor incapaz de decifrar uma frase um pouco mais complexa. Há todo uma cultura instalada, na qual os chatbots estão a ser socializados, que está mais preocupada com os processos de digestão do que na activação de conexões neuronais. Enfrentar textos complexos treina o cérebro para a complexidade. Lidar com textos simples, pode ajudar a digestão, mas torna indigente a faculdade de pensar.
sábado, 12 de outubro de 2024
Um bom fim
Viviam pouco os poetas românticos. Foi o que pensei ao ler uma breve nota biográfica sobre D. José de Esponceda, um dos mais importantes poetas românticos espanhóis. Viveu entre 1808 e 1842. Em 1840, empreendeu uma viagem entre Gibraltar e Lisboa, de que resultou um relato breve publicado no número 8 de El Pensamiento, de Setembro de 1841. A narrativa tem os seus traços de humor. Uma viagem de barco, claro, uma viagem verídica. Um dos passageiros era um comissário de guerra irritadiço, colérico como um porco-espinho e mais afilado do que uma agulha inglesa. Um outro passageiro, uma mulher, de que Esponceda nunca conseguiu saber a nacionalidade, amaldiçoava com destreza e espírito satânico em todas as línguas do mundo. Era uma torre de Babel quando se entretinha a blasfemar. Ora a senhora era casada com um homem que tinha feito a campanha da Rússia com Napoleão e parecia pachorrento e honrado. Criou Deus poucos homens de menor entendimento. Na viagem, além da exímia e multilingue blasfemadora, havia mais duas mulheres que, segundo o autor viajante, se pertenciam ao belo sexo, era mais pelo sexo do que pela beleza. A comida para a viagem só podia ser excelente, pois as provisões consistiam num bacalhau resistente ao dente como sola de sapato e salgado que nem salmoura. A história, porém, tem um belo fim. Chegados a Lisboa, foram visitados pela autoridade marítima que lhes pediu dinheiro. Ele, Esponceda, escreve: Dei-lhes cinco pesetas, as únicas que tinha, e deram-me de troco duas pesetas que atirei ao Tejo. Não ia entrar numa capital tão grande com tão pouco dinheiro. Ora quando se encontra um bom fim, o melhor é não procurar outro.
sexta-feira, 11 de outubro de 2024
Inquirições e ocultações
quinta-feira, 10 de outubro de 2024
Nobel da literatura
De Han Kang, agora premiada com o Nobel, apenas li A Vegetariana, de que gostei bastante. Como não acompanho as intrigas em torno do prémio, fiquei surpreendido com a atribuição. Até porque a premiada é relativamente jovem, ainda na casa dos cinquenta. Tenho a convicção, talvez errada, de que a generalidade dos Nobel atribuídos na literatura é para autores já em fim de carreira, uma espécie de consagração final. Não será o caso da premiada deste ano. A ideia do prémio é interessante, mas sofre de um defeito. O facto de ser anual tornou o Prémio Nobel da Literatura uma banalidade. A princípio, mesmo durante décadas, isso não se notaria, mas agora que número de premiados é grande, muitos deles já esquecidos, a nobelização terá menos impacto no público do que há cem anos. O primeiro Nobel da literatura foi atribuído ao poeta francês Sully Prudhomme, em 1901. Quem lerá ainda os seus poemas? Imaginemos que o Prémio era dado de cinco em cinco anos. Os vinte contemplados num século formariam uma excepção. Com cem parece que a excepção se aproxima da regra. É uma hipérbole, mas torna patente a banalização de se ser laureado com o prémio. Depois, o impacto editorial torna-se cada vez menor. A atribuição do prémio a Jon Fosse, no ano passado, parece ter tido pouco ou nenhum efeito na velocidade da sua publicação em Portugal. E Jon Fosse é um grande escritor. Como haverá escritores que desejam ardentemente o Prémio, também haverá aqueles que fogem dele. Sartre, por exemplo, recusou-o. Pasternak foi obrigado a recusá-lo.
quarta-feira, 9 de outubro de 2024
Desreconhecimento
Ao acaso, numa das estantes, peguei um livro. Era de Oswald Spengler, uma tradução de 1980 publicada pela Guimarães, de O Homem e a Técnica. Ao ver o título, pensei por que raio terei comprado o livro se não o li. Ao abri-lo, porém, deparei-me com o livro todo sublinhado e anotado por mim. Uma das páginas brancas de separação de capítulo estava completamente escrita. Reconheço a minha letra. Eu li o livro. Estudei a obra. Mas será que o li mesmo, agora que não encontro em mim vestígio dessa leitura? Mesmo ao ler as anotações feitas pela minha mão, estas são-me estranhas. Uma novidade, apesar de serem esmagadoras as provas de que um dia terei dominado bem o que aquela obra diz. Tornei-me um estranho. Entre mim e mim há um hiato, no qual esse mim anterior se tornou um outro, um radicalmente outro, perante o qual não há reconhecimento. Não se trata de uma desavença como aquela que dá vida a um dos poemas portugueses de que mais gosto, Comigo me desavim / Sou posto em todo o perigo; / Não posso viver comigo / Nem posso fugir de mim. // Com dor da gente fugia, /Antes que esta assi crecesse: / Agora já fugiria / De mim, se de mim pudesse. / Que meo espero ou que fim / Do vão trabalho que sigo, / Pois que trago a mim comigo / Tamanho imigo de mim? O meu problema não é o de Sá de Miranda, pois este ainda se reconhece como inimigo de si mesmo. O meu caso é mais radical e mais triste. Deixei de me reconhecer. Só podemos ser inimigos daqueles que reconhecemos. A inimizade é uma forma, talvez superior, de reconhecimento do outro. Eu, apenas, me desreconheço. Nem para imigo de mim sirvo.
terça-feira, 8 de outubro de 2024
Pathos romântico
Imagino, por vezes, que o mundo teria sido melhor caso o Romantismo nunca tivesse existido. Um mundo onde a ascese da razão servisse para dissolver o espasmo emotivo seria menos dado a grandes perturbações. Quando se celebra o Romantismo sublinha-se a afirmação da individualidade e presume-se a benevolência da subjectividade. Esquece-se, porém, que esse romantismo originou o nacionalismo, ao qual acrescentou a alavanca da emoção e o martelo da paixão. O resultado dessa mistura de emoções, paixões e sentimentos fundados na subjectividade foi simples e objectivo, duas guerras mundiais. O Classicismo e o Iluminismo representavam a rédea curta com que o espírito apolíneo punha ordem no seu irmão, o espírito dionisíaco. Ora, o romantismo foi uma estratégia para Diónisos se libertar da dura disciplina que lhe travava o poder dissolvente inerente à sua natureza. Libertado o deus, o resultado, que ainda não acabou de se manifestar, não foi particularmente entusiasmante. E o problema não está no suicídio do jovem Werther ou do também jovem Simão. O problema está mesmo nos milhões de jovens que enxameiam os cemitérios militares e que não se suicidaram por amor, mas participaram em rituais de suicídio colectivo, criado por um pathos romântico.
segunda-feira, 7 de outubro de 2024
Sensatez e conversão
domingo, 6 de outubro de 2024
Tigres de papel
Não devia escrever estas coisas aqui, mas não resisti a citar um texto de um homem político que, noutros tempos, inflamou o coração de jovens fogosos, mas que não encontravam quem lhes apagasse o fogo. Espero do autor destes textos e proprietário do blog a caridade da indulgência para com este quase fiel narrador. O homem político é Mao Tse-Tung, alguém que escreveu coisas (sic) com títulos extraordinários, como Uma simples faísca pode pegar fogo a toda a pradaria. Imagino que fosse isso que atraísse os jovens fogosos do Ocidente, que viram nele um deus, que, sabemos hoje, era um deus que não passava de um tigre de papel, uma adaptação de outro título do mesmo homem forte da China, o célebre O imperialismo americano é um tigre de papel. Ora, aquilo que prendeu a minha atenção, foi um título mais prosaico, Conversa sobre questões de filosofia. O texto começa da melhor maneira: Só quando há luta de classes pode haver filosofia. É uma perda de tempo discutir epistemologia à parte da prática. Os camaradas que estudam filosofia deviam ir para o campo. Deviam ir para lá este Inverno ou na Primavera que vem para participarem na luta de classes. Os que não estão bem de saúde também deviam ir. Ir lá não mata ninguém. O mais que lhes acontece é apanharem uma constipação, e se se agasalharem bem não há problema. Não sei a razão, mas isto fez-me lembrar o nosso actual Presidente da República, numa daquelas declarações que faz quando vai ao multibanco ou decide ir comer um gelado. Deixemos, porém, as analogias de lado, pois são sempre enganadoras. Há nestas declarações duas coisas extraordinárias. A primeira liga-se à questão filosófica. Para compreender o racionalismo de Descartes, o empirismo de Locke e Hume ou o transcendentalismo de Kant, não há nada melhor do que ir para o campo, embora, imagino eu, o campo nunca tenha inspirado qualquer teoria epistemológica. A outra coisa é que os camaradas que estudam filosofia – por certo, um equívoco – deviam ir para o campo, não para trabalhar no campo, mas para participarem na luta de classes. Eram coisas destas que incendiavam imaginações no Ocidente, o que é compreensível. Uma razão sensata logo descobriria a infantilidade destas ideias. Só a imaginação, talvez sob efeito de algum psicotrópico, veria nelas um futuro radioso para a humanidade. Ou talvez aquilo que maravilhasse a juventude europeia dos anos sessenta e setenta do século passado fosse o cuidado que o grande timoneiro – era assim conhecido o homem político em causa – tinha com a saúde dos doentes e o agasalho dos friorentos.
sábado, 5 de outubro de 2024
Dia do começo e do recomeço
Hoje é, neste país, o dia do começa e do recomeço. A 5 de Outubro de 1143, começou este país. Como era costume, o início foi uma Monarquia, o Reino de Portugal. Quase oito século depois, talvez porque o país estivesse cansado, isto de acumular séculos exaure as forças a qualquer um, deu-se o recomeço e, como era costume, o reinício foi uma República. Há grandes lições a tirar de tudo isto. O dia 5 de Outubro é privilegiado para começar ou recomeçar qualquer coisa. Se alguém se quiser casar, aconselho o 5 de Outubro, mas se se divorciou e quer recomeçar, nada melhor do que um 5 de Outubro. Começos e recomeços garantidos. A outra lição, mais de índole política, ou melhor, de psicologia colectiva, é que este país é um fiel seguidor da moda. Se a moda é o reino, então ele é um reino. Se a moda muda e se torna republicana, logo ele renasce como república. Nos dias que correm, não há uma querela, a não ser em grupos ínfimos de monárquicos tardios, sobre a questão da república e da monarquia. Felizmente, pois é uma querela sem sentido. Não é a ideia monárquica ou a ideia republicana que nos guiam, é a moda. Se a moda for monárquica, seremos monárquicos. Se for republicana, seremos republicanos. O que diz isto da nossa psicologia colectiva? Diz-nos que somos uma comunidade precavida e que não gosta de contrariar o Zeitgeist. É essa precaução que nos tornou um país de brandos costumes. Eles são brandos porque não são nossos. Usamo-los como quem usa um casaco emprestado, que um dia devolverá. Aqui que ninguém nos ouve, nós nunca fizemos grande questão de ser um reino nem uma república. E nisto reside a nossa virtude.
sexta-feira, 4 de outubro de 2024
Teoria sonora
Acabei de fechar uma janela. O zunir incansável de um ar condicionado entrava pelo escritório e aninhava-se no recôndito da minha mente, caso eu tenha mente e esta possua um âmago escondido não sei bem onde. Estes barulhos mecânicos são uma prova da existência do inferno, pois todos eles são infernais. Ora, se há coisas infernais, então o inferno existe. Esse inferno manifesta-se onde menos se espera. Por exemplo, no parque infantil aqui em baixo, onde as cadeiras de baloiço, em que crianças, sob o olhar de pais cansados, vão e vêm, rangem como mil belzebus depois de uma noite de copos ou mesmo de sex, drugs and rock ‘n’ roll. Até o meu carro está possuído por um súcubo que o faz arfar de modo despudorado. Para a semana, levo-o à oficina para o exorcizarem. Pode-se pensar que esta ligação entre o ruído mecânico e os ventos infernais é pura especulação de um ocioso, numa tarde de sexta-feira anunciadora da ociosidade do fim-de-semana. Não é. A prova é que o céu – isto é, os poderes celestiais – também têm também a sua sonoridade, na vibração das cordas da harpa, da lira ou da cítara. E aqui reside o magno problema da nossa civilização. Enquanto os ruídos mecânicos rangem, guincham, chiam e resfolegam por tudo o que é sítio, harpas, liras e cítaras escondem-se, como se fossem tomadas pela timidez perante o despudor de um caos mecânico. Um dia destes ainda escreverei um apocalipse.
quinta-feira, 3 de outubro de 2024
A benévola ilusão
Respiro fundo e penso que todos chegamos a um momento em que percebemos que o nosso tempo passou, que já não conseguimos lidar com a realidade tal como tínhamos feito. Nesse momento, percebe-se que se está a mais, e que é tempo de ocupar os dias de outro modo, um modo que a realidade nos permita. Não sei se pensei isto ou se o terei sonhado, pois, como o disse Descartes, não há critério seguro para distinguir o sonho da vigília. Aliás, com o passar dos anos descobrimos que não há critério seguro seja para o que for. O que existe é uma ilusão, a certa altura da vida, em que se é detentor de critérios seguros para o que se pensa e para o que se faz. É essa ilusão que evita que soçobremos num cepticismo contumaz e na mais pura apatia. A natureza, com a generalidade das espécies, foi generosa, pois não as dotou da faculdade de pensar e ligou-as às respostas instintivas que lhes permite sobreviver, sem que possam pensar nisso. Com a espécie humana, a mesma natureza decidiu fazer uma experiência e dotou-a de pensamento. Logo percebeu que a ideia não fora a melhor, pois pensar pode ter as mais funestas consequências para uma espécie que sabe que sabe que sabe que é finita e limitada. Então, essa mesma natureza, compadecida dos homens, deu-lhes a imaginação para fabricarem as ilusões que os prendem à existência, que lhes disfarça mesmo a evidência de que o seu tempo passou.
quarta-feira, 2 de outubro de 2024
Esperança
A saga do código para facultar a quem me entregue a encomenda continua. Ontem, não me entregaram aquilo que anunciaram entregar. Fizeram nova anunciação hoje, decretando a hora da entrega entre as quinze e as dezasseis. Caminhamos rapidamente para as dezoito, e nada de encomenda. Eu percebo bem a pessoa que anda na distribuição. É um pacote com livros e tudo o que se relacione com livros não implica pressa. É coisa de gente ociosa. Para piorar as coisas, fiz nova encomenda na mesma editora. Os três volumes das obras completas de Mário-Henrique Leiria e outros três volumes das Mil e Uma Noites, numa primeira tradução feita a partir dos mais antigos manuscritos árabes existentes. Deixemos estas coisas de lado, tudo se há-de compor, e se os Reis Magos, vindos do longínquo Oriente, conseguiram chegar a Belém, apenas com uma estrela por GPS, também o condutor da distribuidora há-de encontrar o caminho até aqui. Espero, e esperar é um sinal de esperança. Acabei há pouco uma daquelas reuniões em videoconferência, que, por amor à exactidão, se deveriam chamar vídeo-reuniões. Estas coisas acontecem para que os participantes se sintam pessoas modernas, pois seria uma grande tristeza alguém viver em plena modernidade – ou mesmo na pós-modernidade – e não se sentir moderno. Agora, não há livro que não traga em si um marcador de livros. Acumulo-os numa caixa, mas aquele de que mais gosto é um da velha livraria Buchholz. Há muito que não entro lá. E ao pensar nisto, senti-me como um traidor. Tenho de lá voltar um dia destes e levo as minhas netas, para uma visita cultural. Além de livros, há música clássica e música etnográfica, músicas do mundo, por norma, de grande qualidade. Vou caminhar um pouco, antes que chegue o crepúsculo.
terça-feira, 1 de outubro de 2024
Um código por facultar
segunda-feira, 30 de setembro de 2024
O meu vento
domingo, 29 de setembro de 2024
Um domingo na província
sábado, 28 de setembro de 2024
Ciência na enfusa
sexta-feira, 27 de setembro de 2024
Uma hipótese
Estou de cara ao lado. Falso. Sinto que estou de cara ao lado, mas não estou. Por causa das dúvidas, postei-me diante de um espelho e a cara pareceu-me normal, embora isso possa ser discutível. Apesar da afirmação inicial ser falsa, o sentimento é verdadeiro. Tenho parte da cara ainda sob efeitos de uma anestesia. O dentista achou por bem desvitalizar-me dois dentes e anestesiou-me. Não senti nada daquilo que ele fez, mas fiquei com esta estranha sensação de lateralidade facial. No fim da consulta, recebi o conselho de não comer nada na próxima hora, não vá morder-me a mim mesmo. Tudo isto serve para demonstrar uma tese sobre o mundo. Mesmo que, por hipótese, o senhor Gottfried Wilhelm Leibniz tenha razão e este seja o melhor dos mundos possíveis, ainda há nele muita coisa a melhorar. Por exemplo, ser anestesiado, sofrer o ataque do Sétimo Regimento de Cavalaria, dirigido pelo tenente-coronel Custer, antes da derrota em Little Bighorn, contra os dentes, não sentir nada, não ter a sensação de cara ao lado e poder comer mal se sai do consultório. Como se vê, há muitas coisas a melhorar neste mundo. Entre as coisas que poderiam ser melhoradas está o nome do senhor Leibniz. Que pai tinha ele para lhe chamar Godofredo Guilherme? Poder-se-ia melhorar o pai de Leibniz. Também os americanos gostariam de melhorar o resultado da batalha em Little Bighorne, onde foram derrotados pelas forças índias comandadas por Sitting Bull e Crazy Horse. Contudo, desde que os homens foram expulsos do paraíso, as melhorias retrospectivas foram descontinuadas e o Leibniz arrastará pela eternidade fora a alcunha de Godofredo Guilherme e o pobre do Custer nunca vencerá qualquer Touro Sentado ou Cavalo Louco. A anestesia talvez afecte o sistema neuronal. É uma hipótese.
quinta-feira, 26 de setembro de 2024
Vida quotidiana
O dia começou sob intensos aguaceiros, mas as coisas foram-se alterando, de tal modo que agora, enquanto escrevo, há um sol alegre, saltitante, uma luz que anima quem passa. As sombras crescem, esculpem relevos fugidios no alcatrão, e adormecem pisadas pela velocidade dos carros, ansiosos de chegar a casa e deixar o motor descansar. No meu carro, o rádio avariou-se, entrou em greve, fez voto de silêncio. Tenho de ver o que se passa, não eu que de rádios grevistas ou com tendências monacais nada sei, mas alguém que se dedique a essas coisas, nem que seja a de me trocar este por um novo, pouco dado à greve ou ao silêncio dos mosteiros. Daqui a pouco vou aproveitar e caminhar, para apanhar ar e encher-me de imagens destes sítios que conheço de olhos fechados – uma evidente falsidade – e onde amealho pontos cardio, os quais me haverão de ser úteis, caso a Organização Mundial de Saúde não se entregue à mentira. Ela ou quem declama as suas recomendações. Acabei de bocejar e logo um pensamento nasceu em mim sussurrando-me que o melhor era dormir um pouco. Há que resistir.
quarta-feira, 25 de setembro de 2024
Em memória
Chove e faz calor. Voltei à minha função de boletim meteorológico. É o que faz a falta de ideias. Imagino que esta esteja ligada à vida sedentária a que o tempo chuvoso me obriga. Se caminhasse por aí, alguma coisa me ocorreria. Assim, nada me ocorre. Há pouco, olhei para os frisos – agora já são dois – de orquídeas. Ainda há três em plena floração. As outras, depois da hora de cintilação, adormeceram, deixando cair as flores, como quem se despe para ir para a cama. Hoje, estive numa longa reunião, em videoconferência. Quando acabou, pensei que já não tinha idade para coisas daquelas. Depois, tive de admitir que nunca tive idade – isto é, saco – para aquele tipo de actividade, onde as pessoas derramam as palavras como se elas não tivessem custado toda uma longa história para se formarem e estarem prontas para o nosso uso. Em memória dessa história, deveríamos ser comedidos na sua utilização. Calo-me.
terça-feira, 24 de setembro de 2024
Passagens
Está um dia de Outono, sereno, melancólico e tocado pelo cinzento-claro dos céus. Uma luz pálida derrama-se sobre a cidade. Indiferentes, as pessoas passam, perdem-se no dia-a-dia. Levar e buscar os filhos ou netos à escola, fazer compras, entrar neste ou naquele estabelecimento, passear à trela um cão. Eu olho e deixo o tempo passar. Virá o crepúsculo e, logo de seguida, a noite escura. Que outra coisa pode um mortal fazer senão deixar o tempo passar? Enquanto passa o tempo, também em nós passam os pensamentos e as imagens. Fluem, arrastados por uma água sem nome, e, se formos atentos, vemo-los passar e podemos dizer: ali vão os nossos pensamentos e as nossas imagens, são como ramos de árvores secas arrastados pela força das águas. E isso dá-nos prazer, pois sentimos que nos libertamos deles, do seu peso e da carga emotiva que têm. Essa ingénua rêverie tem um efeito terapêutico, reconciliando-nos com a passagem do tempo. Uma brisa suave – um poeta antigo diria um zéfiro – toca as folhas das árvores, e elas dançam diante dos meus olhos.
segunda-feira, 23 de setembro de 2024
Véu da ignorância
Voltou a segunda-feira. Os dias da semana têm este problema, substituem-se uns aos outros com inexcedível regularidade e uma monotonia sem fim. O mais curioso é que a sua invenção propunha-se pôr fim a uma outra monotonia, a da indiferenciação dos dias, os quais se seguiam uns aos outros sem nada que permitisse distingui-los. O Sol nascia, fazia a sua jornada e punha-se, como quem entra no quarto para se deitar e dormir. O pior seria a sensação de que os dias iam diminuindo e que poderiam soçobrar na noite eterna. Há muitas coisas que seria muito interessante, embora ocioso, saber. Imaginemos os nossos antepassados de há cinquenta mil anos. Como se relacionariam eles com o dia e a noite, com a passagem das estações ou com as metamorfoses da luz? Sabemos hoje, graças à análise genética, que sapiens sapiens e neandertais se cruzaram e que parte da humanidade possui genes dos neandertais. Esse cruzamento ter-se-á dado há dezenas de milhares de anos, mas parece não ter ficado registado na memória colectiva, na tradição. Sabemo-lo por recurso técnicas analíticas muito sofisticadas. Isto coloca um outro problema, que é o da duração da memória colectiva. Quanto tempo permanecem, cifrados em mitos e lendas, na memória colectiva acontecimentos memoráveis? Quando penso nisto, tenha sempre uma sensação de tristeza pela ignorância efectiva sobre quem somos. Sabemos alguma coisa até há alguns milhares de anos, mas depois o véu do esquecimento é cada vez mais negro, como se uma parte do que somos se devesse ocultar, talvez para que possamos viver com o que somos.
domingo, 22 de setembro de 2024
Mitos e rituais de passagem
Tenho uma neta outonal. Hoje começa o Outono, neste ano de 2024, e ela faz 16 anos. Parece que fazer 16 anos, nos dias que correm, é uma marca importante. Eu não me lembro quando os fiz, mas tenho a certeza de que os 16 não se destacavam dos 15 ou dos 17. Mesmo os 18 eram ofuscados pelos 21, altura em que se atingia a maioridade. Ainda tive de ser emancipado para tirar a carta de condução. Os rituais de passagem mudam com o tempo, mas, o mais decisivo, é que não passamos sem eles. As sociedades modernas, as sociedades desencantadas, colocaram de lado mitos e rituais. O que aconteceu, porém, é que tanto uns como outros se multiplicaram. Por vezes, como ervas daninhas. Não são os grandes mitos e os grandes rituais que dão sentido às existências, mas os pequenos mitos e os rituais insignificantes que assumem esse papel. Por isso, a pequena mitologia, com os seus rituais, do grupo desta minha neta, já não terá qualquer sentido para a irmã, com menos dois anos e meio e muito menos para o meu neto, com menos dez anos. Seja como for, são muito importantes para ela e vou-me despachar para que possa participar numa parte desses rituais e dar força à sua mitologia privada.
sábado, 21 de setembro de 2024
Da autenticidade
Retorno a uma referência anterior, a Gilles Lipovetsky e um título musical de um livro que está na fronteira da Filosofia e da não Filosofia, A Sagração da Autenticidade. A natureza musical deste título deve-se a um empréstimo ao bailado de Igor Stravinsky A Sagração da Primavera. Esta é uma peça musical – e de dança, um bailado originalmente produzido por Sergei Diaghilev e coreografada por Nijinsky – que, durante uma parte da minha vida, considerei como o começo musical do século XX, embora a sua estreia tenha ocorrido em 1913. Nessa altura, considerava que o século XX musical terminava com a terceira sinfonia de Henry Górecky, composta em 1976. Roubava 37 anos ao século, mas sentia que as coisas eram assim. Passei muitas tardes a ouvir a Sagração da Primavera seguida da terceira de Góreky. Há muito que não o faço e deixei de ter qualquer ideia sobre o começo e o fim do século XX musical. Ora, o título do livro de Lipovetsky é uma clara citação da tradução inglesa da peça de Stravinsky, que no original russo parece denominar-se A Fonte da Primavera. Hoje recolhem-se todas estas informações em segundos, desde que se saiba aquilo que se quer perguntar. Ora, sagrar a autenticidade é sagrar um equívoco. O que é ser autêntico? É, ao mesmo tempo, ser sincero – ser uma expressão sincera de si mesmo – e ser autor, autor de si. Por norma, pensamos a sinceridade como expressão espontânea, natural e não fabricada de si, mas isso choca com a autenticidade de ser autor de si, pois esse si já não é espontâneo, mas uma fabricação, ou, melhor, uma ficção. Talvez, e isso salvará o título de Lipovetsky, tudo o que é sagrado o seja por ser equívoco, como o é, por exemplo, o Deus do Antigo Testamento, o Deus da ira e o Deus da misericórdia.
sexta-feira, 20 de setembro de 2024
Cansaços
Hoje tem chovido. Quase sempre bátegas de água violentas, que logo param, como se as nuvens se cansassem desse esforço de enviar sobre a cidade uma água benevolente que se não lavar os corpos, talvez ajude a branquear as almas. Antigamente, as pessoas preocupavam-se em branquear a alma, que se enegrecia em contacto com a fuligem da vida e o carvão do desejo. Hoje, a preocupação maior é a do branqueamento de capitais. Quem os tem procura branqueá-los e a justiça, que os acha negros como o breu, tenta, talvez com pouco sucesso, localizá-los para tratamento e reciclagem. Estou a desviar-me do assunto. Das bátegas de águas, do céu cinzento, das pessoas a recolherem-se sob varandas, pois ninguém acha decoroso num dia de Setembro andar de guarda-chuva na mão para o que der e vier. Agora, enquanto escrevo esta emissão do boletim meteorológico local, os raios solares encontraram uma abertura entre o chumbo das nuvens e derramam uma luz pálida sobre as paredes cobertas de fungos do Hospital. A semana, refiro-me à útil, acabou, sem que a utilidade tenha deixado um rasto de memória. Houve demasiado calor e a memória dá-se mal com temperaturas elevadas. Um alarme de um carro começou a implorar socorro, mas ninguém parece disposto a estender-lhe a mão. Ah já se cansou, como eu também já estou cansado. Maldição, o alarme recobrou as forças rapidamente. Vou fechar as janelas, recostar-me, fechar os olhos e deixar que a peça Für Alina, de Arvo Pärt, me ajude na meditação.
quinta-feira, 19 de setembro de 2024
Valor e preço
Um amigo enviou-me um link para uma entrevista a António Feijó, doutorado pela Brown University e professor catedrático jubilado da Faculdade de Letras, na área da Literatura, da Universidade de Lisboa. Sobre a universidade e o papel das Humanidades ele diz: A História e a Filosofia são, neste momento, modos de introduzir salubridade no discurso público. Depois, dá as razões. São plausíveis, mas não vêm ao caso. O tema interessante é o da salubridade. A referência é feita numa espécie de contra-argumentação da ideia partilhada por muitos universitários das áreas científicas e tecnológicas de que as Humanidades são dispensáveis, um desperdício, dada a sua inutilidade. Ora, se elas contribuem para tratar de um discurso público de natureza patológica, então têm uma utilidade social, o que as torna dignas de serem mantidas no mundo universitário. Partilho da ideia de Feijó de que uma Universidade sem Humanidades é uma instituição amputada, na verdade uma mera escola profissional, centrada no ensino vocacional. O que me suscita dúvidas é a sua crença de que a História e a Filosofia são modos de introduzir salubridade no discurso público. Platão sempre achou o discurso público, a doxa (δόξα), patológico e a Filosofia representava mais uma fuga da epidemia do que um colírio para tratamento da doença. E a questão não está apenas na natureza estruturalmente patológica do discurso público, mas também no caso de tanto a História como a Filosofia, mesmo as praticadas na universidade, poderem ser focos infecciosos, injectando na opinião pública doses maciças de miasmas. Por mim, deixava de lado a utilidade das Humanidades e centrava-me na glória das coisas inúteis, pois é nesse desprendimento da utilidade que reside a grandeza e o valor da Literatura, da História e da Filosofia. Elas têm valor, as outras áreas têm preço.
quarta-feira, 18 de setembro de 2024
Commercium sexuale
terça-feira, 17 de setembro de 2024
Provérbios
Os provérbios são uma forma de sabedoria que assenta na mais pura equivocidade. Lembrei-me disso ao ver uma referência, em Ernst Jünger, a um muito conhecido: A palavra é de prata, o silêncio é de ouro. O provérbio é composto por duas proposições e nenhuma delas é universalmente verdadeira. Este facto não se deve a que ambas as proposições sejam expressões metafóricas, nas quais se predicam qualidades (a prata e o ouro) que, do ponto de vista da experiência, não cabem ao sujeitos palavra e silêncio. Não é isto que falsifica o provérbio, mas uma outra coisa, também ela expressa de forma metafórica. Quantas vezes o silêncio é de chumbo? Por outro lado, quantas vezes a palavra usada ou dada é de um ferro oxidado, de ferrugem? O interessante, e, por isso, os provérbios são, efectivamente, uma forma de sabedoria, é que os falantes de uma língua sabem identificar o momento de usar esse provérbio, conseguem reconhecer quando ele é pertinente e ajustado, isto é, justo, e quando ele não tem qualquer sentido. O que torna, então, um provérbio uma forma de sabedoria não é tanto o seu conteúdo proposicional, mesmo que metafórico, mas a capacidade do falante o usar de modo adequado. É por isso que os provérbios são formas de sabedoria prática e pragmática, pois implicam saber quando se devem usar e em que contexto. Fora de tempo ou deslocados da situação, são apenas risíveis.
segunda-feira, 16 de setembro de 2024
Castigos
Quando leio ou vejo as notícias sobre os incêndios que devastam parte do país penso que a revolta da natureza contra a nossa espécie é terrível e inexorável. A partir do século XVII, a civilização europeia assumiu uma dimensão prometaica. Convencemo-nos – e também parte do planeta – de que, guiados pela razão, pela ciência e pela indústria, atingiríamos neste mundo, através de um progresso crescente, a felicidade que a religião prometia para o outro. O símbolo desta crença que nos guia há três séculos é Prometeu, o titã que, na mitologia grega, desafiou os deuses ao roubar-lhes o fogo para o dar à humanidade. O castigo de Prometeu foi imediato, o dos homens diferido no tempo, mas parece mobilizar como instrumento de punição esse fogo que recebemos como dádiva suprema para nossa libertação do império dos deuses. Estes estão a vingar-se. Ora os deuses não são outra coisa senão a natureza que não suporta já a nossa dominação. Os desequilíbrios da meteorologia são o raio de um Zeus furibundo com a espécie dos mortais que decidiram pensar que são imortais e que tudo o que existe está aí apenas para servir os seus apetites. Gostaria muito de crer que a ciência e a tecnologia – uma encarnação do fogo de Prometeu, isto é, da razão – seriam suficientes para pôr as coisas nos eixos e que tudo acabaria por encontrar o caminho para uma vida normal. Cada dia que passa é uma razão a mais para não crer nesse mudar de agulha tranquila na vida dos homens. Não há quem tenha por missão pôr as coisas nos eixos ou endireitar o que está torto.
domingo, 15 de setembro de 2024
Preguiça
Um dia entregue à preguiça, um estado que teve – e ainda terá – má imprensa. Combinaram-se, para conspirar contra ela, uma transformação na ordem do mundo e o efeito de uma má tradução de um termo latino proveniente do grego. A passagem para os tempos modernos marcou a decadência da atitude contemplativa e a emergência, primeiro, do louvor à acção e, depois, ao trabalho, o que levou Ernst Jünger a dedicar uma obra à figura metafísica do trabalhador. A má tradução tornou a acédia em preguiça e fez entrar esta no rol dos pecados mortais. Os monges do deserto usaram a palavra acédia para designar a falta de cuidado com a vida espiritual. Trata-se de um estado de alma que leva ao torpor do espírito, a um fechamento sobre si do monde, uma não abertura à Graça. Tomás de Aquino, muito depois, integrou-a na lista dos pecados capitais e fez dela o fundamento de todos os outros. A tragédia dá-se na tradução de acédia por preguiça, o que alargou o âmbito do estado pecaminoso. Aquilo que dizia respeito a uma atitude do espírito contaminou o domínio do corpo. A partir destes dois acontecimentos a diligência tornou-se a norma e a preguiça o desvio não apenas vicioso, mas mortal. Foi a isto que entreguei o meu corpo e o meu espírito neste domingo, para além de ter ido almoçar com parte substancial da família. Curiosamente, a preguiça, contrariando a visão de Tomás de Aquino não desencadeou a gula, tendo-me contido, não vá a balança sair por aí desencabrestada aos saltos.
sábado, 14 de setembro de 2024
Movimentos
Raymond Abellio, uma estranha personagem – na estranheza inclui-se a colaboração com o infame governo de Vichy – de um mundo que já acabou, pelo menos ele deixou de ser reeditado, o que será uma espécie de fim do mundo para qualquer autor, num dos seus livros, na parte final, faz uma meditação sobre aquilo que denomina a imobilidade suíça. A certa altura escreve: Mas o que significa esta imobilidade se Rousseau, Wagner, Nietzsche e Lenine se exaltam aqui e, a partir daqui, põem o mundo em movimento? Talvez, penso, a imobilidade acabe por gerar tal frustração que aqueles que vivem nela se exaltam e tentam arrastar, ou arrasar, o mundo. No entanto, este primeiro pensamento é, de imediato, substituído por outro. Essas pessoas seriam, por natureza, uns exaltados, incapazes de compreender o valor supremo da imobilidade. O mundo sempre se movimentou. Nunca faltou gente para atormentar os outros devido à sua ânsia de movimento. Rousseau, Nietzsche, Wagner e Lenine seriam todos eles personagens doentes, que na imobilidade suíça recuperaram forças para cada um, a seu modo, espalhar pelo mundo a patologia que o atormentava. Dir-se-á com razão que sem estes atormentados não haveria história humana. A questão, porém, é a de saber se perderíamos alguma coisa por não haver história. Hegel pensava que a história é o longo processo em que o Espírito, tendo-se alienado na natureza, sai desta e, encarnando no homem, faz uma longa viagem de retorno a si mesmo. Ora, por que razão teremos de ser nós a pagar o preço da viagem do Espírito para casa?
sexta-feira, 13 de setembro de 2024
Vida quotidiana
Está um calor dos diabos. Foi o que me ocorreu ao acordar de uma sesta involuntária diante do computador. A culpa, para me poupar o sentimento de culpabilidade, atribuí-a ao almoço. Deslocado na capital para tomar conta de netas, chegado pela hora de almoço, aterrei num pequeno restaurante goês. Não é que tenha sido desrazoável, mas com o passar dos anos – ou das décadas, para ser mais exacto – o que seria quase uma refeição frugal transformou-se num excesso que, mal me sentei para escrever, me arrastou para essa figura deplorável de velho a dormir sentado não diante da televisão, mas de um computador. Não sei se fui acometido por algum sonho, mas desde que não tivesse dado sinais exteriores de perturbações oníricas, a situação é suportável. O mesmo não posso dizer caso me tenha entregado ao exercício de ressonar. Estou a tentar disfarçar, a evitar conversas. Enquanto isso, continuo a ouvir Luc Ferry, um filósofo francês que tem um conjunto de minicursos ou de conferências no Spotify. São excelentes, embora num registo que hoje é pouco apreciado em Portugal, onde se dobrou o joelho à filosofia anglo-saxónica. Quem quiser ficar com uma visão global da Filosofia e não tiver problemas com o francês, não será tempo perdido. Além de cursos sobre a história da Filosofia, existem outros sobre problemas contemporâneos onde é o filósofo que fala e não tanto o professor de Filosofia, excelente, diga-se. As netas ainda não chegaram a casa, elas que estão a retomar o ritmo escolar das sextas-feiras. Acabadas as aulas, programas com as amigas. Não tardará e dispensam a presença dos avós. Para piorar a situação, o mais novo já vai no segundo dia de aulas. Quando fizer seis anos, já levará dois meses de submissão à realidade. A realidade, porém, é que continua um calor dos diabos.
quinta-feira, 12 de setembro de 2024
Ignorância
Abro ao acaso uma obra de Herberto Helder e leio A cerejeira é uma aparição, / a febre devora as macieiras, todas / as árvores se consomem de sonho. São construções vivas, focadas no silêncio, suspensas na luz. Penso que também sou uma aparição, mas ao contrário da cerejeira não me tocou o esplendor de florescer. E podia ainda pensar-me macieira febril ou imaginar que faço parte desse mundo vegetal e sou uma das árvores consumidas pelo sonho. Não sou também atacado pela febre ou por sonhos, dos piores, daqueles que se sonham acordado, suspenso não da luz, mas da inacção? Não é o silêncio a minha casa, a construção mais viva que ergui? Talvez eu seja uma árvore que se perdeu da floresta a que pertencia. Conheço casos, e não poucos, de pessoas que são anjos caídos na Terra. Outros, ainda mais numerosos, de homens e mulheres que deveriam ser um animal, um cão, um gato, mesmo um hipopótamo, mas que, por um equívoco, tomaram a forma humana. Não sei se sou um homem sonhado por uma árvore ou uma árvore que sonha ser homem. A ignorância tomou conta de mim e leva-me pela mão.
quarta-feira, 11 de setembro de 2024
Ocultações
Hoje fui reler o que escrevi ontem, coisa que muitas vezes não faço. E devia. Numa releitura rápida descobri coisas que não deveriam estar escritas como o foram ou pontuações destrambelhadas. A leitura após a escrita corrige alguma coisa, mas não é suficiente para vencer a cegueira de quem escreve. Esta é uma cegueira muito especial, pois é uma cegueira que vê o que não está lá, mas é incapaz de ver o que está. Poderia adoptar outra estratégia. Escrever o texto do post e deixá-lo a repousar durante um tempo, para o ler de novo depois do descanso e introduzir as correcções devidas. Isso, porém, entra em conflito com a minha natureza e com a minha gestão do tempo. Tarefa começada é para acabar o mais rapidamente possível. Outra solução era deixar-me destes textos, o que tinha a feliz consequência de eliminar todos os erros, enganos e equívocos, todas essas maldições começadas por “e”. Não tenho tempo para pensar nisso. Um súbito silêncio abateu-se por aqui. São cinco da tarde e a máquina que me assombra desde ontem calou-se. Terá sido o fim da função diária ou o operador foi apenas fumar um cigarro e beber um café? Não tarda, saberei. Acabei de reler o que tinha escrito. Descobri que no lugar de texto tinha escrito testo. Fico a meditar nesta troca. É possível que o dedo se tenha equivocado ao bater no teclado. O “s” está acima do “x”. No entanto, há uma explicação mais interessante, de índole psicanalítica. É um acto falhado que denuncia a minha intenção de tapar (esconder) qualquer coisa. Parece que a máquina se calou definitivamente. Assim seja.
terça-feira, 10 de setembro de 2024
Assombrar
Passam-se coisas estranhíssimas no cérebro humano. No caso, no meu. Há uma palavra que sempre que quero utilizá-la não me lembro qual é, mas sei sempre a palavra francesa para o mesmo conceito. Então, vou ao dicionário Francês-Português e digito – é um dicionário online, já não posso com os de papel – a palavra francesa e acedo à portuguesa. Um assombro. A palavra é mesmo essa, assombrar. Tenho de ir ver o significado de hanter. Não faço ideia por que motivo o meu inconsciente censura assombrar, mas deixa vir incólume à consciência hanter. Queria falar daquilo que me está a assombrar e estava, mais uma vez, em apuros. A assombração não vem de qualquer fantasma, mas de uma máquina que, na rua, regurgita um barulho demoníaco, enquanto faz subir e descer pessoas que cuidam das paredes exteriores do prédio. Ainda não percebi o que estão a fazer, mas o barulho e o cheiro de um qualquer produto sintético assombram-me e introduzem um factor de distracção nas minhas tarefas. Os piores fantasmas, os mais malignos, quero dizer, são estes dispositivos mecânicos que decidem reproduzir, ampliando, o barulho dos infernos. O que me inquieta neste momento – a máquina calou-se – é não saber a razão por que nunca me recordo da palavra assombrar.
segunda-feira, 9 de setembro de 2024
Diversificação das fontes
Devemos diversificar as fontes. Acabei de ler o Mistério dos Três Corpos, de Liu Cixin, primeiro volume da trilogia O Passado do Planeta Terra. Para cumprir o imperativo da diversificação não vou passar para o segundo romance, A Floresta Sombria, mas deixar por uns tempos a ficção científica e mergulhar na literatura sobre a segunda Grande Guerra, com Stalinegrado, de Vassily Grossman, o romance que antecede a obra-prima de Grossman, Vida e Destino. O que é notável em Grossman é que consegue – pelo menos naquilo que li dele e também no que li na crítica – manter uma elevadíssima qualidade literária, apesar de estar submetido a um mundo político que era impiedoso no controlo da arte. Talvez o caso mais extraordinário desse controlo seja o do compositor Dmitri Shostakovitch. O facto de os regimes totalitários darem uma atenção muito especial ao controlo da arte e de estarem sempre extraordinariamente preocupados em separar a verdadeira arte da arte degenerada são sintomas de que na arte se joga qualquer coisa de decisivo para a humanidade. Não se sabe que coisa decisiva é essa, mas que ela existe está atestado não apenas pelo interesse que a humanidade tem nela como na necessidade de controlo que o poder despótico sente. Hegel via na arte dos gregos uma manifestação sensível do Absoluto, e talvez seja essa presença, sob mil disfarces, do Absoluto que toca os homens e desespera os impiedosos pastores do rebanho humano. Talvez estes pastores não suportem a diversificação das fontes, pois é o anúncio da diversificação das realidades. Não tarde e vou caminhar junto ao rio, agora que o mar ficou longe. Quem não tem cão caça com gato, eis mais uma manifestação da minha cultura ao gosto popular.
domingo, 8 de setembro de 2024
Algoritmos inadequados
Logo de manhã irritei-me com a balança. Não gostei do peso que me devolveu quando a pisei. Talvez a tenha insultado, já não me recordo. Consultei os registos e descobri que, afinal, o caso não era para tanto. Um aumento de trezentos gramas, nem chega a ser um verdadeiro aumento. Talvez lhe tenha pedido desculpa, mas também não tenho a certeza. Concluí mesmo que, afinal, as férias nem foram devastadoras. Para celebrar essa não devastação ofereci-me uns livros. Um deles foi um romance da escritora austríaca Marlen Haushofer, A Parede. São 292 páginas de texto, com a particularidade de não terem cortes. Não há capítulos, pontos ou qualquer outra estratégia que permita ao leitor descansar. Na contracapa, encontra-se uma bela citação do romance: Por vezes, é como se a floresta começasse a ganhar raízes dentro de mim e usasse o meu cérebro para conceber as suas ideias ancestrais e eternas. Uma chamada. Um amigo do outro lado. Conversamos um pouco até que ele me diz que um outro amigo, fomos todos colegas de faculdade, está com pouco mais de cinquenta quilos, o que tendo em conta a altura dele é muito preocupante. Qualquer coisa nos pulmões se desarranjou e começou a multiplicar-se, segundo um algoritmo inadequado à condição humana. Haverá alguma esperança, oiço. Espero que sim. Começo a ficar cercado por pessoas em que qualquer coisa se desarranja e se multiplica segundo algoritmos inumanos. Não vale a pena uma pessoa irritar-se com a balança.
sábado, 7 de setembro de 2024
Fantasias
Nos últimos tempos tenho dedicado algum tempo a ouvir, mais do que a ver, uns vídeos produzidos por nostálgicos de l’Ancien Régime. Sonham com a sociedade estratificada que começou a colapsar em 1789 e cujo estertor continuou até à primeira Grande Guerra. Vociferam – por vezes, com argumentação esteticamente interessante – contra o igualitarismo, o progressismo e todas as maleitas que o Iluminismo e a Revolução francesa terão trazido ao mundo, que seria, antes disso, um paraíso. O mais curioso é que muitos destes pacientes da nostalgia pelo Ancien Régime, caso vivessem sob ele, não teriam sequer direito à palavra, quanto mais à nostalgia. São plebeus que se sonham os aristocratas que nunca seriam, são os homens livres que, no mundo que sonham, nunca seriam. Fantasiam com elites a que imaginam pertencer, caso o mundo fosse outro e não o que é, embora estejam num mundo que, devido ao tenebroso igualitarismo que zurzem, os não impede de fazer alguma coisa para aceder a um qualquer género de elite. Este tipo de pensamento esconde duas coisas. Por um lado, esconde – melhor, disfarça e mal – uma vontade de poder enorme, de um poder que eles justificariam pela vontade divina. Por outro, oculta uma real impotência em lidar com as coisas tal como surgem na vida. Num mundo em que existe uma coisa como a Inteligência Artificial, num mundo em que a espécie humana adquiriu o poder de se reconfigurar através da intervenção técnica, sonhar com as categoriais sociais e mentais do Ancien Régime não será diferente de um adulto sonhar em retornar à vida feliz da infância, caso a tenha tido, ou imagine que a tenha tido. Há mesmo quem tenha extraordinários programas de resistência, como, por exemplo, escolarizar os filhos em casa, para que eles não sejam contaminados pelo tempo que lhes foi dado viver.
sexta-feira, 6 de setembro de 2024
Imbecilidades
A semana, a primeira deste Setembro, está a acabar. Hoje termina a semana útil e amanhã termina a inútil. O mais curioso é que todas as semanas começam com um dia de descanso, para terminarem num dia igualmente de descanso. Há nisto uma mensagem subliminar. A utilidade dos dias úteis está envolta pela inutilidade do primeiro dia, o domingo, e a inutilidade do último dia, o sétimo ou o sábado. A mensagem é que toda a utilidade é inútil, embora tenhamos a sensação estranha de que toda a inutilidade, nos nossos dias, foi capturada pelo útil. Enquanto escrevo estas coisas sem nexo oiço um grupo musical a ensaiar. Não consigo perceber se os ensaiadores estão na escola aqui ao lado ou se, mais longe, na praça central da cidade. Seja onde for, não preparam nada que torne a existência – refiro-me à minha, a dos outros é corveia que lhes compete – mais agradável. Entretanto, o ensaio parou, mas isso está longe de ser uma notícia tranquilizadora. A falta de assunto para o dia de hoje está directamente ligada ao estado catatónico em que me encontro. Há pouco li que, segundo a abalizada opinião de uma comentadora televisiva, há pessoas, e ela conhece-as, que ficaram imbecis desde que o Facebook começou. A sua actividade, dessas pessoas que ficaram imbecis, é de postar fantasias sobre elas próprias. Ora, também este narrador posta fantasias sobre si próprio – um si próprio que também é uma fantasia – e não o faz no Facebook. Isto significa que se pode ser imbecil em muitos lugares. Contudo, há uma coisa em que a comentadora está equivocada. As pessoas não ficaram imbecis. Já o eram, mas não tinham espaço público para o mostrar. Falo a partir da experiência pessoal. Não foi a escrever estas coisas que por aqui escrevo que fiquei imbecil. Já o era. Agora, posso tornar isso público ou semipúblico, pois sempre sou um imbecil anónimo, embora não frequente, mas talvez devesse, as reuniões dos imbecis anónimos, pois nunca se sabe quem lá se pode encontrar.